Ao longo de muitas décadas, milhões de pessoas se estabeleceram em bairros, favelas e áreas degradadas nas periferias já sobrecarregadas das cidades. Os recém-chegados, assim como os outros moradores, precisam se deslocar para chegar ao trabalho e às escolas. E as ruas e sistemas de transporte urbano, que não foram construídos para antecipar a chegada em massa de migrantes, foram sobrecarregados por uma avalanche de carros, caminhões e micro-ônibus operados por empresas privadas.
O congestionamento pode soar um problema relativamente pequeno, mas seus efeitos sobre o emprego, sono, saúde mental, cuidados infantis e educação, entre outras questões, são profundos.
Veja Bogotá, por exemplo. Nas décadas de 1940 e 1950, cerca de 600 mil pessoas viviam na capital da Colômbia. Em um momento de otimismo, a cidade convidou o famoso arquiteto suíço Le Corbusier para projetar um plano diretor que previa uma teia de rodovias modernas para substituir os bondes e ferrovias regionais da cidade.
Com incentivo e dinheiro americano, Bogotá se livrou de seus trens e apostou tudo em carros e em um emaranhado de novas estradas. A reconfiguração de Le Corbusier visava acomodar confortavelmente um influxo esperado de, no máximo, 1,5 milhão de pessoas até o início do século 21.
Mas o inesperado aconteceu. Refugiados que buscavam escapar da pobreza e da violência no campo durante a longa guerra civil da Colômbia inundaram a cidade. Uma vasta colcha de retalhos de ruas caóticas e assentamentos informais de casas improvisadas se espalhou pela elevada planície e subiu pelas encostas das montanhas dos Andes. E as pessoas continuaram chegando.
A experiência de Bogotá não foi tão incomum, mas nenhuma outra cidade da região tentou enfrentar o problema de transporte tão seriamente quanto ela. Por um breve momento no início dos anos 2000, até parecia que a cidade havia resolvido o grande enigma da mobilidade. Eles encontraram uma estratégia eficaz, embora monótona, para mover milhões de passageiros: ônibus rápidos.
Chamado de TransMilenio, o sistema de ônibus de Bogotá se inspirou na cidade de Curitiba, no Brasil, que instituiu uma das primeiras redes de ônibus rápidos bem-sucedidas. A rede mais extensa de Bogotá, com 12 linhas de ônibus, cobria quase 115 km.
Os novos ônibus rápidos não eram tão rápidos quanto um metrô, mas foram implementados em uma fração do tempo e a um custo muito menor. Eles ocuparam faixas nas avenidas, fazendo paradas limitadas e se movendo mais rapidamente do que as frotas desorganizadas de micro-ônibus operados por inúmeras empresas descoordenadas.
Iniciado em dezembro de 2000, o novo sistema se tornou a conquista emblemática de um tecnocrata carismático e confiante, um economista que se tornou prefeito chamado Enrique Peñalosa. Rapidamente, o TransMilenio transformou Bogotá em um modelo mundial de política urbana progressista. Bancos de desenvolvimento e filantropias financiaram projetos de transporte em todo o planeta com base em seu exemplo.
Mas isso não foi o fim da história. Hoje, o sistema de ônibus rápidos de Bogotá atende cerca de 2 milhões de passageiros por dia e é uma das instituições mais contestadas da cidade. As razões não são misteriosas. Pouco depois do sucesso inicial do TransMilenio, os passageiros começaram a ficar amontoados em latas de sardinha sufocantes, que quebravam e eram mal policiadas. A própria popularidade dos ônibus os tornava lotados e perigosos.
Agora, mais de 20 anos após a introdução do TransMilenio, Bogotá ainda está atolada no congestionamento. Sua solução mais recente foi construir um metrô, uma ideia debatida desde a década de 1940. O novo metrô, como é concebido agora, não substituiria os ônibus, mas funcionaria em conjunto com eles.
A atual prefeita, Claudia López, recentemente iniciou a construção da primeira linha do metrô, uma rota acima do solo que ela espera que seja posteriormente acompanhada por mais duas. No final de outubro, os bogotanos elegeram seu sucessor, Carlos Galan, que se candidatou com base em seu apoio ao metrô.
Viajei para Bogotá há uma década e fiquei impressionado com os muitos sinais do declínio do TransMilenio, mesmo quando o resto do mundo ainda elogiava seu sucesso inicial. Então, voltei no início deste ano para tentar entender o que havia acontecido com essa grande ideia que inspirou tantos imitadores.
Descendo a montanha
Nos arredores montanhosos de Bogotá, há um bairro chamado Ciudad Bolívar. Como muitos assentamentos informais, ele surgiu sem um plano, uma casa de cada vez, feita de blocos de cimento e metal corrugado. Sua população agora é aproximadamente do tamanho da cidade de Miami.
Lá conheci uma mulher de 60 anos chamada Maria Victoria Vélez, que, há uma década, foi expulsa com seus filhos do campo por exércitos em guerra e buscou refúgio em Bogotá. Ela juntou dinheiro suficiente para pagar às gangues locais por um terreno em uma encosta precária.
Para ganhar a vida, Vélez vendia sacos de lixo em um carrinho de supermercado de metal dobrável e frágil. Ela comprava os sacos em um bairro a algumas viagens de ônibus de distância, onde eram mais baratos, antes de vendê-los em partes mais ricas do centro da cidade. A viagem exigiu descer a montanha. Poderíamos ter pegado um dos brilhantes teleféricos que agora transportam, por dia, cerca de 25 mil residentes da Ciudad Bolívar até o centro de ônibus rápido no fundo. Mas Vélez disse que ela tem vertigem.
Vélez precisava pegar um ônibus. Alguns eram gratuitos, mas muito lotados para embarcar. Depois de meia hora, finalmente conseguimos entrar em um ônibus comum —a tarifa de 70 centavos cortou significativamente o orçamento diário de Vélez, mas o tempo era precioso. Estava lotado.
No total, pegamos cinco ônibus, dois deles supostamente rápidos em faixas exclusivas, para buscar os sacos de lixo e chegar a Chapinero, um bairro de classe média perto do centro da cidade. Quase três horas haviam se passado desde que saímos da casa de Vélez.
Exigindo muito de um ônibus
Assim como Vélez, López passou anos em Ciudad Bolívar. Ela se mudou para lá quando era adolescente, antes do TransMilenio chegar. Como estudante universitária, ela tinha que correr e se esquivar de outros passageiros, vendedores ambulantes e uma variedade imprudente de micro-ônibus que soltavam diesel e vinham quando bem entendiam. “Era um inferno”, disse ela. “É um milagre que mais pessoas não tenham morrido.”
López trabalhou no primeiro mandato de Peñalosa, quando o TransMilenio estava apenas começando. Os ônibus tornaram sua jornada imensuravelmente melhor, ela lembra. “Foi uma das conquistas orgulhosas de Bogotá”, López relatou. “Mas pedimos demais dele.”
Peñalosa voltou à prefeitura para cumprir seu segundo mandato como prefeito de 2016 a 2019, período em que começou a fortalecer as finanças em declínio do TransMilenio. Ele adquiriu ônibus mais limpos para substituir a frota poluente e quebrada da cidade, obteve ajuda federal para novas rotas e construiu o teleférico em Ciudad Bolívar. A qualidade do ar ao redor dos ônibus e estações melhorou quase 80%.
Após anos de frustração pública, no entanto, nem mesmo Peñalosa pôde resistir ao impulso público e político por trás de um trem. Como prefeito, ele conseguiu dinheiro do governo federal para ajudar a pagar a construção e depois assinou contratos com empresas chinesas para projetar a primeira rota
Melhorando um sistema falho
Novas soluções eram o que eu estava procurando quando voltei a Bogotá, depois de ver os ônibus rápidos em declínio. Muito havia mudado no intervalo. Os ônibus ainda estavam lotados. Mas Peñalosa construiu o teleférico. E López deu continuidade à visão de mais teleféricos, ciclovias e faixas de ônibus, bem como lançou as bases para o metrô.
Dessa vez, vi a realidade confusa e difícil de políticos lutando contra um sistema falho, uns com os outros e com a burocracia, o que resultou em um progresso gradual. Bogotá ainda sofre com congestionamentos porque seu sistema viário é um quebra-cabeça, mas por qualquer medida sensata, os ônibus rápidos têm sido um sucesso notável.
A experiência de Bogotá reflete uma verdade básica sobre infraestrutura: executar mudanças significativas requer trabalhar em uma escala de tempo mais longa do que a política —e a paciência pública— normalmente permite.
Em Chapinero, observei Vélez enquanto ela ia do restaurante ao salão de beleza e à loja de tênis, resistindo aos olhares impacientes e de pena dos lojistas e pedestres, agradecendo a todos e sempre fazendo uma oração. Foi um dia excepcionalmente bom, ela me disse. Ela ganhou US$ 7 (R$ 34,6).
O TransMilenio e o ônibus alimentador de volta à colina permitiram que Vélez voltasse para casa a tempo de preparar um jantar tardio para o marido. Mas sem os ônibus, segundo ela, não teria conseguido comprar comida.
Naquele ônibus descendo a montanha, as pessoas se apertavam umas nas outras para se apoiar. Todo o sistema estava claramente sobrecarregado, porém eu anotei uma palavra no meu caderno antes de ajudar Vélez a descer o carrinho na calçada.
“Linha da vida”.