Refaat al-Areer, 44, era professor de literatura, tradutor e poeta. Sabia melhor do que ninguém que palavras têm alcance maior do que armas.
Ele era uma das principais vozes de Gaza para o mundo exterior. Estava sempre disposto a falar com veículos estrangeiros como Al Jazeera, BBC, The New York Times e a Folha.
A primeira vez que conversei com Refaat foi em maio de 2021, durante outro ataque brutal de Israel a Gaza. “Quando estamos sob bombas, sentimos que é o pior dia das nossas vidas, mas daí vem o dia seguinte e é ainda pior”, ele me disse então.
Assim que estourou a guerra no dia 7 de outubro, uma das primeiras coisas que fiz foi escrever para Refaat para saber se ele e sua família estavam em segurança. Após 24 horas de silêncio angustiante, ele me respondeu: “Podemos ser mortos a qualquer momento”.
Nas semanas seguintes, acompanhei atentamente suas redes sociais com a esperança de que ele continuasse vivo. Relatou que Israel havia bombardeado o campus da Universidade Islâmica de Gaza, onde lecionava. Lamentou a morte de alguns de seus alunos mais brilhantes. Na semana passada, anunciou que o reitor da instituição havia sido assassinado.
Em sua última entrevista em vídeo, Refaat aparece com a voz embargada em meio a barulhos de explosões. “Sou um acadêmico. A coisa mais dura que tenho comigo é uma caneta. Se os soldados israelenses vierem para cima da gente, é isso que vou atirar contra eles. Estamos desamparados e não temos nada a perder.”
Refaat morreu na última quinta-feira (7) ao lado da família em um bombardeio de Israel contra a casa de sua irmã, onde buscava abrigo.
Sua vida era tão preciosa quanto a de cada um dos mais de 17 mil palestinos mortos nesta guerra até aqui.
Sinto que nós, jornalistas, falhamos com todos eles.
Desde o início dessa cobertura, andamos encontrando justificativas para ataques a ambulâncias, hospitais e campos de refugiados. Compramos por valor de face informações das autoridades israelenses, ao mesmo tempo em que acusamos os palestinos de mentir até sobre o número de corpos empilhados em seus necrotérios.
Esse comportamento da imprensa não começou em 7 de outubro. Há décadas, falamos em “conflito”, “disputa territorial” e “violência” –eufemismos para aquilo que palestinos chamam de “colonialismo”, “limpeza étnica” e “genocídio”.
E por que nós agimos assim?
Parece que trabalhamos para formar um consenso entre nossos leitores a favor das ações de Israel. Mas também estamos tentando encobrir nossa cumplicidade na matança de civis palestinos –dentre eles, nossos colegas de profissão e nossas fontes.