“Atenção: Táxi/Uber, ainda há moradores aqui”. Essa é apenas uma das diversas mensagens que destacam-se em muros de casas vazias e tapumes de isolamento nas regiões dos cinco bairros afetados pela instabilidade de solo em Maceió. A TV Pajuçara ouviu, nesse final de semana, o desabafo de famílias que ainda vivem no Bom Parto e nos Flexais, mas que não estão entre os realocados e incluídos na lista de compensação financeira, devido às consequências de extração de sal-gema, que colapsou minas das Braskem.
O afundamento da mina 18 no bairro Mutange, em Maceió, atingiu 1 metro e 77 centímetros, conforme dados do boletim mais recente divulgado pela Defesa Civil Municipal, na manhã desta segunda-feira (04). O caso tem atormentado ainda mais moradores que estão há cinco anos sem conseguir a realocação da região.
“Estou aqui dentro do Bom Parto, existem pais e mães de famílias que tiveram suas vidas paradas, que todo dia morrem mentalmente com a situação que estamos vivendo. Nós somos dignos de viver uma vida em outro canto. Aqui não tem mais escola, não tem posto de saúde. Tenho minha mãe acamada, quando ela passa mal, tenho que levá-la à UPA ou HGE, porque nem um posto de saúde tem aqui. Hoje aqui não é o Bom Parto, é um buraco que estamos vivendo. Só Deus sabe”, desabafou Andreza Silva.
Ela revelou que tem utilizado medicação para poder dormir. “Dizem que um lado da rua afunda, que o outro lado não afunda. O que realmente está acontecendo no bairro do Bom Parto? A gente está desesperado. Precisamos de alguém que nos olhe com outro olhar e veja que aqui não é canto mais de vivermos, merecemos uma moradia digna”.
Foto: Reprodução / TV Pajuçara |
Os moradores questionam principalmente a postura dos órgãos que compõem o Poder Público de Alagoas. Protestos têm sido realizados desde então.
“Minha casa está com rachadura, o telhado desceu um pouco nesses últimos anos. A pessoa fica aqui aflita. Infelizmente, estamos aqui abandonados pelo Poder Público, porque a real tragédia é a negligência do Poder Público. A sociedade anseia pelos seus direitos, nada mais do que isso, apenas os seus direitos”, afirmou o comerciante José Santos.
A população que ainda vive nesses bairros que estão na área de risco, agora em alerta máximo por conta da mina 18, relata problemas de diversos motivos em consequência da situação.
“Essas famílias estão amedrontadas. Estou há quatro dias sem dormir bem, porque à noite é a hora que fico mais acordado, tomando conta da minha família. Eu não vou deixar meu patrimônio aqui e sair para um abrigo. Estamos sendo obrigados a tomar essa atitude, porque o crime que a Braskem cometeu, não é só a Braskem a culpada de tudo, mas hoje somos vítimas dos poderes, que estão a par da situação e não querem tomar atitude imediatamente para que sejamos realocados e termos uma indenização justa pelo plano de compensação financeira”, cobrou Valdemir Alves dos Santos.
A saúde mental dos moradores que não foram incluídos na lista de compensação financeira tem sido um dos principais problemas, segundo os relatos.
Mochila com roupas e sacola com documentos: moradora exibe espécie de “kit fuga” para sair rápido de casa (Foto: Reprodução/TV Pajuçara) |
“Estava com problema de doença, vim para cá há oito anos e montei essa vendinha. Mas agora quero sair, não estou conseguindo mais. Estou com depressão há dois anos depois desse negócio da Braskem. Não vendo mais nada, vendia muito lanche, muita coisa, aqui tinha colégio. Eu não posso correr, meu marido está operado da perna, fez uma angioplastia, não pode dirigir, não posso correr com ele. Tenho que ficar. Não tenho para onde ir. Tenho meus filhos, mas todos trabalham, para sairmos daqui, pode vir alguém e assaltar a casa. Só temos isso, é pouquinho, se roubarem… Aí temos que ficar”, disse a comerciante Neide Felipe.
A moradora Silvia Rosane mostrou uma espécie de “kit fuga” que deixa pronto para uma possível emergência.
“Todos os documentos estão aqui (na sacola). Na mochila tem umas peças de roupas, caso aconteça algo e não possamos tirar nada, pelo menos uma roupa e a vida da gente, a gente tira. São três dias que não dormimos. Qualquer baque, qualquer barulho, a gente começa a andar, se senta, abre o portão, vem para a rua. O carro eu deixo do lado de fora, porque qualquer coisa, a gente imagina que dê tempo, mas não sabemos se dá tempo de sair daqui ou não”.
Jeruza Silva, dona de casa que reside no Bom Parto, contou que nesse período de tensão devido aos abalos sísmicos da mina 18, sentiu a terra tremer dentro de casa.
“Eu estava sentada na cadeira, tomando café. De repente, ouvi aquele barulho. Quando olhei, minha planta estava tremendo, o suporte de ferro estava tremendo. Fiquei olhando e pensei: ‘Meu Deus’. Rapidamente chamei minha filha, comecei a pisar forte ao lado da planta e não balançava. Fiquei em choque. Ela não ia balançar só, não tem vento que venha balançar esse suporte de ferro. Fiquei muito apavorada”.
Dona Jeruza aponta para novas rachaduras que teriam surgido recentemente (Foto: Reprodução/TV Pajuçara) |
Após a Defesa Civil de Maceió alertar sobre o colapso iminente da mina 18, da Braskem, no Mutange, cerca de 23 famílias tiveram que ser retiradas das casas que estão localizadas na área de risco. A Justiça Federal, inclusive, autorizou o uso de força policial, caso os moradores recusassem a sair.
A Prefeitura de Maceió desocupou seis escolas em diferentes bairros da capital para torná-las abrigos temporários aos moradores e também decretou estado de emergência na capital por 180 dias.
O presidente da Braskem, Roberto Bischoff, afirmou nesta segunda-feira, 4, que nos últimos quatro anos foram realocadas 40 mil pessoas – a estimativa dos órgãos é que o número seja de quase 60 mil – em 14,5 mil imóveis e mais de 97% das propostas de indenização foram aceitas e pagas por meio do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF). O comentário foi feito ao Estadão durante o 28º Encontro Anual da Indústria Química (Enaiq), evento tradicional do setor químico promovido pela Associação Brasileira de Indústrias Química (Abiquim).
Mina 18 tem sido monitorada e imagens mostram avanço da lagoa (Foto: Charles Northrup e Bruno Protasio / TV Pajuçara) |
A Justiça Federal determinou, na manhã da última quinta-feira (30), que a Braskem adote providências em relação ao novo mapa elaborado pela Defesa Civil Municipal, que inclui no PCF novos imóveis localizados no Bom Parto. A mineradora comunicou aos acionistas e ao mercado que o valor atribuído à causa pelos autores da ação é de R$ 1 bilhão.