Disseram a Thomas Hand, 63, que sua filha Emily, então com 8 anos, havia sido morta pelo Hamas no dia 7 de outubro. Ela tinha dormido na casa de uma amiga de 13 anos, uma festa do pijama num dos kibutzim atacados.
Só no Be’eri, os terroristas mataram ao menos 130 pessoas naquele dia. Thomas contou à CNN que, dois dias após o massacre, líderes locais o avisaram: “Encontramos Emily. Ela está morta”.
O irlandês baseado em Israel disse que sentiu alívio. “Falei ‘sim!’, ‘sim!’, e sorri porque essa era a melhor notícia das possibilidades que conhecia. Então a morte foi uma bênção, uma bênção absoluta”.
Qual alternativa seria melhor? Ou ela estava morta ou estava em Gaza, talvez sem água e comida, “num quarto escuro, rodeada por sabe-se lá quantas pessoas, aterrorizada a cada minuto de cada dia, possivelmente por anos”.
No começo de novembro, as Forças Armadas israelenses disseram ser “altamente provável” que Emily, no final das contas, estivesse viva e mantida refém pelo outro lado. Não haviam encontrado quaisquer restos mortais da criança no Be’eri. Haviam, em compensação, rastreado celulares da família da amiga que a convidara para uma “noite das meninas” na véspera do atentado. O paradeiro era Gaza, sob intenso bombardeio de Israel.
Após descobrir que sua filha poderia estar viva, Thomas se juntou aos familiares que fazem campanha para o governo de Binyamin Netanyahu não desistir de reaver os israelenses capturados.
Passaram-se algumas semanas e, no dia 25 de novembro, Emily e Hila Shoshani, sua amiga, foram incluídas entre os reféns liberados pelo Hamas em meio a um cessar-fogo com Israel. A mãe de Hila permanece presa na Palestina.
Autoridades israelenses liberaram o vídeo da reunião entre Thomas e Emily —a mãe de Emily morreu sete anos atrás em decorrência de um câncer. Ele falou sobre o fim de um “longo e doloroso pesadelo” pouco antes de se reencontrar com a garota, que vestia um pijama rosa da Disney —uma blusa com estampa do Bambi e uma calça da Minnie. Ela correu em sua direção, e ele a chamou pelo apelido de Emush. “Minha Emily está voltando para casa; quebrada, mas inteira.”
Depois do publicizado abraço com o pai, a menina também foi recebida por seus dois cachorrinhos e pela irmã mais velha, Natali —a mãe dela, madrasta de Emily, foi assassinada pelos terroristas em outubro. No caminho para casa, segundo Thomas, a primeira coisa que a caçula fez foi colocar uma música da Beyoncé para tocar.
O pai se fez duas promessas desde que a filha voltou: levá-la a um show da estrela americana e garantir-lhe a “melhor festa de aniversário de sua vida”. A menina completou 9 anos durante o cativeiro.
Natali e Thomas revelaram alguns detalhes da temporada de Emily em Gaza, que ela chama de “a caixa”. A menina aos poucos vem se abrindo com a família. Relatou que membros do Hamas a faziam mudar várias vezes de endereço, para fugir das bombas lançadas por Israel. E que em nenhum momento alguém bateu nela ou a molestou, como tanto temia o pai.
Outros detidos não tiveram a mesma sorte. Eitan Yahalomi, 12, também liberado, apanhou e foi forçado a assistir a vídeos da chacina de 7 de outubro, segundo sua tia Deborah.
Café da manhã e água não faltavam àqueles feitos reféns, mas almoço e janta eram mais irregulares. Emily aprendeu a gostar de pão com azeite, contou o pai à CNN. Seu rosto rechonchudo, de criança saudável, voltou bem mais magro. O cabelo tinha piolhos.
Quando questionada sobre o tempo que ficou sob jugo dos sequestradores, respondeu: “Um ano”. Foram 49 dias. “A parte mais chocante e perturbadora de encontrá-la é ver que ela só sussurrava, não dava para ouvir. Tive que colocar meu ouvido perto da boca dela. Ela tinha sido condicionada a não fazer nenhum barulho.”
Michael Higgins, presidente da Irlanda, divulgou um comunicado para acolher a israelense de ascendência irlandesa: “É minha grande esperança que Emily possa agora, apesar de tudo, desfrutar de uma vida feliz e plena depois do que tem sido uma situação inimaginável para uma criança tão pequena”.
Mais de cem reféns já foram soltos durante a trégua na guerra —acredita-se que, ainda assim, sejam menos da metade do grupo sequestrado. Todos, até aqui, mulheres e crianças trocados por mulheres e adolescentes palestinos que estavam em prisões israelenses.
Estima-se que pelo menos 30 crianças israelenses morreram na investida contra Israel, e outras dezenas foram raptadas. A retaliação matou mais de 15 mil palestinos, 40% deles menores de 18 anos, de acordo com o Ministério da Saúde local, sob controle do Hamas.
Nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, Gaza está se tornando um “cemitério de criança”. E não só palestinas. Segundo o Hamas, Kfir Bibas, um bebê de 10 meses tomado do kibbutz Nir Oz, morreu ao lado da mãe e do irmão. Os três teriam sido vítimas de uma bomba israelense.