A crise entre Venezuela e Guiana acerca da soberania da região de Essequibo opõe dois países diametralmente opostos do ponto de vista militar, mas a geografia do eventual teatro de combates dificulta a vida de Caracas.
Começando por números, as Forças Armadas da Venezuela formam uma potência regional bastante considerável. Têm, segundo o IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres), 123 mil militares à disposição para combate, fora um efetivo de milicianos estimado em 220 mil.
Desde a ascensão do coronel Hugo Chávez (1954-2013) ao poder, em 1998, o direcionamento antiamericano do governo local o levou ao colo de potências rivais dos Estados Unidos, tradicionais parceiros na área de Defesa.
Com isso, o país se viu inundado de material militar russo, como caças avançados, tanques, blindados, obuseiros, rifles de assalto e muito mais —com destaque a um sistema antiaéreo em três camadas, defesa de ponto, média e longa distância, de fazer inveja a qualquer país da região. Da China, vieram radares, aviões de treinamento e outros equipamentos.
No papel, uma variedade grande, mas a contínua crise econômica sempre colocou em dúvida, entre analistas, a real capacidade de emprego do material. Segundo relatos, raramente metade da frota de 24 caças Sukhoi Su-30 foi considerada apta para voar —e, sem confirmação, três aviões já caíram por problemas diversos.
Analistas militares como Ivan Barabanov, que atua em consultorias de Moscou, consideram contudo que há muita propaganda nessa avaliação e lembram que uma disponibilidade de cerca de 50% da frota está dentro de padrões internacionais.
Mesmo que tenha ares de tigre de papel, a Venezuela é um gigante perto da Guiana. O pequeno país caribenho não tem Forças Armadas propriamente ditas, mas sim uma Força de Defesa que mais se assemelha a um dispositivo policial.
Conta com meros 3.400 homens, segundo o IISS, e parcos equipamentos —as estrelas, por assim dizer, são seis blindados de reconhecimento EE-9 Cascavel, fabricados pela falida brasileira Engesa.
Sua esperança, em caso de emergência militar, reside mais na forte presença de empresas estrangeiras a explorar seus recursos naturais, a americana ExxonMobil à frente, com operação a pleno vapor para extrair petróleo em operação nas águas de Essequibo. Em resumo, que os EUA mandem a cavalaria, por assim dizer.
Mas este é um choque militar que parece atender mais às fantasias da esquerda e da direita radicalizadas da América Latina do que à realidade. Ideias de que os russos, apoiadores da ditadura de Caracas, teriam interesse numa confusão no quintal geopolítico dos EUA, são apenas isso do ponto de vista prático.
Por óbvio, por outro lado, uma guerra em torno de uma causa popular sempre foi um modo clássico de países ditatoriais tentarem galvanizar apoio interno —vide a Guerra das Malvinas de 1982.
Apesar da desigualdade que sugere um passeio sem interferência externa, há outras questões a considerar, de natureza geográfica. Boa parte dos 800 km de fronteira entre Venezuela e Essequibo ficam em um território de selva densa, quase impenetrável senão por pequenas unidades. Operações com blindados, o padrão-ouro para tomadas de territórios, são proibitivas.
A alternativa reside em duas vertentes. A primeira, impensável salvo o governo Lula (PT) realizar o desejo dos bolsonaristas e dar livre acesso às forças de Maduro ao Brasil, envolve contornar por terra o centro do estado de Roraima e atacar Essequibo pelo sul. Isso demandaria uma guerra com o Brasil na região, uma impossibilidade política.
Os boatos de que tais movimentos já estariam acontecendo ferveram nas redes nesta semana, sem comprovação alguma, como usual. O Ministério da Defesa brasileiro acabou alimentando o temor ao dizer que estava reforçando a fronteira, mas o fato é que há movimentações apenas residuais na região.
A possibilidade mais lógica para o ditador Nicolás Maduro é uma combinação de ataque aerotransportado aos poucos centros urbanos de Essequibo e um desembarque anfíbio pelo Caribe —para tal, conta com talvez cinco C-130H Hércules mais antigos e oito Y-8 chineses, mais recentes, aliados a sete navios de desembarque anfíbio.
Sem ajuda externa, a capacidade guianense de resistir a um ataque é discutível. No mar, contam com meros dois barcos de patrulha costeira, ante uma frota que, se não é poderosa, é muito maior do rival, com duas fragatas, um submarino e nove navios de patrulha, segundo o IISS. Isso dito, uma anexação pressupõe o envio de forças de ocupação, um problema adicional.
Tudo depende da vontade de Maduro —que, como Chávez, já jogou a carta do temor de um conflito regional, no caso com a Colômbia, para proveito próprio antes.