O brasileiro que está desparecido em Israel desde o dia 7 de outubro, e que a família suspeita estar entre os reféns do grupo terrorista Hamas, é Michel Nisenbaum, 59.
Nesta quinta-feira (30), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirmou que há um brasileiro entre os reféns e que está negociando a sua libertação. Ele não citou o nome de Michel.
Lula participou, semanas atrás, de uma conversa por videoconferência com a família do brasileiro, que vive em Israel há 45 anos e foi visto pela última vez no dia em que o Hamas realizou o maior ataque já sofrido pelo país em 50 anos.
A irmã de Michel, Mary Shohat, revelou à coluna que a conversa com o petista, realizada por Zoom, teve também a participação de familiares de outros raptados não brasileiros.
“Ele [Lula] queria saber [a história] de cada um”, contou. “Depois, ele disse que já tinha começado, um dia antes, a falar com vários países para tentar ajudar a tirar os reféns de lá. E que ele vai continuar a fazer tudo o que puder para tirar as pessoas lá de dentro.”
“Lula disse que é muito a favor da paz, que não quer escutar de guerra. Disse que o Brasil tem fronteiras com vários lugares e nunca teve nenhum problema de guerra ou coisa parecida com nenhum outro país”, seguiu. “Se o presidente Lula puder nos ajudar, seria ótimo.”
À família, as Forças de Defesa de Israel dizem acreditar que Michel esteja entre as mais de 200 pessoas levadas como reféns. Um carro do brasileiro, encontrado incendiado, e um notebook seu recuperado já na Faixa de Gaza alimentam as esperanças de que ele possa estar vivo.
“Não é nada 100%”, afirmou Mary. “O que tinha dentro do carro e onde ele estava, ninguém nos informou. Disseram que, por enquanto, não podem nos dizer. O Exército dá poucas informações”, completou. “A espera por notícias nos come vivos.”
Leia, abaixo, a íntegra da entrevista concedida por Mary Shohat à coluna no início deste mês.
Era uma quinta-feira quando Mary Shohat, 66, viu seu único irmão, Michel Nisenbaum, 59, pela última vez. Naquele 5 de outubro, o técnico de informática fez uma visita à mãe, Sulmira, de 86 anos. Depois, tomaram um café.
Passados dois dias, o paradeiro de Michel se tornaria um enigma lancinante. Seu último contato com a família foi às 6h57 de 7 de outubro, por telefone, quando avisou a uma de suas filhas que iria buscar a neta em uma base militar. Minutos depois, um terrorista teria atendido o telefone proferindo palavras em árabe e gritando “Hamas“.
Se iniciava ali o maior ataque sofrido por Israel em 50 anos, que resultaria em mais de 1.200 mortos e cerca de 200 pessoas tornadas reféns.
As Forças de Defesa de Israel acreditam que Michel, desaparecido desde então, integre o segundo grupo.
Um mês depois do ataque, o carro dele foi encontrado incendiado, e seu notebook foi recuperado na Faixa de Gaza. É isso o que mantém a esperança de que Michel esteja vivo. Mas nada é certo.
Mary conta que, enquanto espera pelo filho, a mãe sempre pergunta como será que ele vai voltar. Com barba? Com muito cabelo?
Nascido em Niterói, no Rio de Janeiro, o brasileiro deixou o país há mais de 45 anos para viver em Israel. Ele tinha 12 anos. Mary, que nasceu em Porto Alegre, tinha 17.
Hoje, Michel tem duas filhas e cinco netos —o sexto está a caminho. Todos vivem em Israel.
Em entrevista à coluna, Mary conta que o irmão fez recentemente um curso para se tornar guia turístico. “Michel é uma pessoa muito dada. Tem muitos amigos que o adoram Ele ajuda todo mundo”, diz a enfermeira.
Nesta conversa, interrompida diversas vezes por sua mãe, que acrescentava detalhes à narrativa, Mary relata a angústia da família, diz temer a possibilidade de trocar reféns israelenses por prisioneiros do Hamas e lamenta críticas feitas a Israel por causa da guerra. “Quem começou tudo isso não fomos nós.”
TELEFONE MUDO
No dia 7, o Michel saiu de casa às 6h57 para buscar a neta dele, que estava na base militar com o pai dela, e levá-la a Ashkelon [no sul do país e próxima de Gaza], onde ela mora com os pais.
A filha de Michel falou com ele por telefone, e depois de dez minutos ele já não atendeu mais. Ela continuou tentando telefonar, tentando, tentando. Numa dessas, do outro lado, responderam em árabe. Gritaram “Hamas”, desligaram o telefone e não se escutou mais nada. Desde então, o telefone está desligado.
Eu não sei se ela já sabia que estava tendo um atentado. Ela sabia que alguma coisa estava acontecendo. O marido dela, que está no Exército, disse que tinha algum problema.
VESTÍGIOS
A única notícia que nos deram é que parece que ele está raptado. Não é nada 100%. Ontem [quarta-feira, 8], recebemos a notícia de que encontraram o carro dele. Está totalmente queimado. Só conseguiram ver que era dele pelo número do chassi.
O que tinha dentro do carro e onde ele estava, ninguém nos informou. Disseram que, por enquanto, não podem nos dizer. O Exército dá poucas informações.
Tem que ter muito cuidado, porque em qualquer lugar pode ter um dos terroristas escutando as coisas. Encontraram o laptop do Michel na Faixa de Gaza, e por isso acham que ele foi raptado. Não sei. Pode ser que tenham levado o laptop, mas não ele. Não sei. Tudo é um ponto de interrogação, eu diria.
Ainda tem corpos [de vítimas do massacre de 7 de outubro] que não sabemos quem são, não foram identificados. Os terroristas usaram um tipo de fluido especial que queimou também os dentes das pessoas. Não dá para averiguar pelos dentes quem é cada pessoa.
A espera por notícias nos come vivos. Tanto a minha mãe como eu, meus filhos e os meus netos, que gostam muito dele, as filhas dele, os genros e os netos dele, todo mundo está na espera para saber alguma coisa. Não saber nos deixa muito mal.
SANGUE DO MEU SANGUE
Em Israel, eu moro em Beersheba, e o Michel, em Sderot [cidade próxima da Faixa de Gaza]. Eu sou um pouquinho mais velha, tenho 66 anos. Ele, 59.
Michel é uma pessoa muito dada. Tem muitos amigos que adoram ele. Ele ajuda todo mundo que necessita de ajuda.
Ele tem filhas, genros e netos, tem adoração por todos. Ele também tem adoração pela nossa mãe. Nós somos bons irmãos e nos damos muito bem. Sempre quando tem alguma coisa com a nossa mãe, a gente telefona um para o outro para ver o que fazer.
Minha mãe [de 86 anos] mora sozinha. Eu trouxe ela pra cá por causa de tudo que está acontecendo. Ela não está bem. Ela me pergunta quando ele vai voltar, o que aconteceu, se ele está vivo. Se ele vai voltar com barba grande e com muito cabelo. Com esperança.
Michel tem duas filhas. A filha mais velha tem três crianças, e a filha mais nova, duas. E ela vai ter a terceira criança agora, em princípio de dezembro.
Elas não estão bem. Os dois maridos estão no Exército, e elas estão sozinhas com as crianças. As pessoas da família tentam ajudá-las. Elas moram em Ashkelon, e lá também tem muito foguete caindo, como tem em outros lados.
[Quando Michel voltar, vou] agarrar ele, beijar ele, abraçar ele e dizer o quanto ele é querido e como nós estávamos preocupadas.
O INIMAGINÁVEL
Estivemos juntos na quinta-feira, na mesma semana [do ataque de 7 de outubro]. Ele esteve na casa da minha mãe, conversaram um pouco. Depois, tomamos um café, como sempre fazemos.
Acho que ninguém tinha alguma coisa assim na cabeça, de pensar que tudo isso ia acontecer. Foi terrível.
[Quando Michel voltar, vou] agarrar ele, beijar ele, abraçar ele e dizer o quanto ele é querido e como nós estávamos preocupadas.
Em 45 anos, nunca me senti tão vulnerável como agora. Várias vezes [ao longo das décadas] eles atiraram bombas. Mas em casa nós temos um quarto especial [antibomba], então a gente entra nele e fecha. Nunca sentimos [que teríamos] algum problema.
REFÉNS
Os encarregados [do governo de Israel] pelas famílias dos reféns e dos desaparecidos nos avisaram que, em primeiro lugar, o mais importante são os reféns que estão lá dentro [em Gaza].
Que, apesar de Israel atacar a Faixa de Gaza, eles mais ou menos sabem onde bombardear para não prejudicar os reféns que estão lá. Foi o que nos prometeram.
Eu confio. Se eu não confiar, o que vai ficar na nossa vida?
PRISIONEIROS
Mandamos caminhões para lá [Gaza] com ajuda humanitária. Eles [os palestinos que estão no território] recebem ajuda. Já os que são reféns, eu não sei o que eles recebem. Não sei se eles recebem alguma coisa, ou nada.
Como tratam eles? Eles têm comida, eles têm água, eles têm remédios? É um problema isso.
TROCA DE REFÉNS
Da última vez que devolveram os prisioneiros [do Hamas] que estavam aqui em Israel em troca da volta de um soldado [israelense] que era refém do Hamas, esses mesmos [prisioneiros libertados] são os que fizeram todo o massacre agora.
Muitos dos [prisioneiros] que voltaram para Gaza são os encarregados do massacre. Eu não posso te dizer se eu estou a favor ou contra [a troca de prisioneiros do Hamas por reféns israelenses]. Eu tenho muito medo disso.
Eles [integrantes das Forças de Defesa de Israel] estão tentando [resgatar os reféns sem precisar negociar a troca com o Hamas], por isso que estão atacando Gaza.
CESSAR-FOGO
No momento em que a gente deixar de bombardear, eles [terroristas do Hamas] vão conseguir mais armas, mais gente e mais problemas.
ACORDOS DE PAZ ENTRE ISRAEL E PALESTINOS
Tinha gente que queria fazer isso, mas não conseguiram. Tem que tentar. É o que a gente precisa para poder viver bem aqui.
Esperança eu tenho. Se vou ver isso acontecer, não tenho certeza. Pode ser que meus netos vejam, os meus bisnetos vejam. Não creio que nesse momento [seja possível viabilizar um acordo de paz entre israelenses e palestinos]. Não com tudo o que estamos passando.
MINHA TERRA
Eu não posso deixar Israel. Tenho aqui dois filhos, netos, a minha mãe. Não posso.
Um outro filho, o mais velho, é casado, tem três crianças e vive em Londres. Ele trabalha como jardineiro.
O que está acontecendo lá também é bastante feio. As pessoas saem na rua em manifestações pró-palestinos, com bandeiras, dizendo que nós somos os ruins e que eles são os bons.
Eu acho que é injusto. Quem começou tudo isso não fomos nós. Mataram crianças, cortaram as cabeças delas, cortaram as mãos delas. Quem faz uma coisa assim?
LIGAÇÃO DO BRASIL
Falei com o presidente Lula e com o embaixador de Israel no Brasil [Daniel Zonshine]. Por enquanto, não tem nada. Eles nos disseram que, se tiver alguma coisa nova, eles nos avisam.
Com Lula, nós tivemos um Zoom [conversa por vídeo] junto com outras famílias de raptados não brasileiros. Ele queria saber [a história] de cada um.
Depois, ele disse que já tinha começado, um dia antes, a falar com vários países para tentar ajudar a tirar os reféns de lá. E que ele vai continuar a fazer tudo o que puder para tirar as pessoas lá de dentro.
Lula disse que é muito a favor da paz, que não quer escutar de guerra. Disse que o Brasil tem fronteiras com vários lugares e nunca teve nenhum problema de guerra ou coisa parecida com nenhum outro país.
Se o presidente Lula puder nos ajudar, seria ótimo. E espero que vocês continuem assim, com paz, e não como nós aqui, com a guerra.