Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) julga a descriminalização das drogas no Brasil, estados americanos já alcançam um faturamento bilionário taxando o comércio da maconha.
Esse valor soma US$ 2,9 bilhões (cerca de R$ 14 bilhões) em uma conta bastante conservadora, que considera apenas os 11 estados que arrecadaram impostos específicos sobre cannabis para fins recreativos em todos os meses do ano fiscal de 2022 (de julho de 2021 a junho do ano seguinte).
Os dados são do Centro de Estudos Tributários do Urban Institute e da Brookings (TPC, na sigla em inglês), sediado nos EUA, com base na chamada “excise tax”, um imposto seletivo que incide sobre produtos específicos, como álcool e cigarro, para desestimular seu uso e compensar efeitos negativos. O uso medicinal não é contabilizado.
Para comparação, o total arrecadado pelos entes federativos no Brasil com o imposto sobre herança (ITCMD) foi R$ 10,7 bilhões no ano passado, segundo dados do Impostômetro.
A possibilidade de tributar a maconha é um dos principais argumentos de defensores da legalização de seu comércio —um passo além da descriminalização do porte para consumo pessoal.
Nos Estados Unidos, esses recursos têm sido usados para bancar desde escolas e rodovias a programas de prevenção ao abuso de substâncias e de mitigação das consequências negativas da política passada de guerra às drogas. Nesse último caso, isso inclui por exemplo apoio a comunidades negras, alvo desproporcional de encarceramento por posse de maconha.
A Califórnia é o estado que mais lucra com a tributação da droga em termos absolutos (US$ 774 milhões), mas proporcionalmente às demais receitas, a cifra representa apenas 0,3% do total arrecadado no estado.
Já no Colorado e em Nevada, esse percentual é de 1,7% —o maior do país. Em outros três estados (Washington, Alasca e Oregon), esse número supera 1%.
Com Washington, Colorado foi um dos primeiros estados americanos a legalizar a posse e o uso da maconha para fins recreativos, em 2012. Dois anos depois, foi liberada a comercialização.
Hoje, o Colorado já fatura mais com a droga do que com imposto semelhante sobre álcool (0,9% da arrecadação total no mesmo período).
O uso recreativo da maconha é liberado em 23 estados e no Distrito de Columbia (DC), onde fica a capital do país, Washington (não confundir com o estado de mesmo nome). Desses, 20 possuem uma legislação em vigor para taxar a droga, de acordo com o TPC.
Delaware, Minnesota e Virginia preveem a cobrança de impostos, mas as vendas legais ainda não haviam começado até agosto deste ano.
Em DC, uma emenda aprovada pelo Congresso impede que o distrito regule e taxe a venda de maconha, embora ela tenha sido descriminalizada. Na prática, isso significa que as vendas ocorrem, mas tecnicamente a droga é um “presente” dado pelo vendedor ao comprador de um outro produto, como uma camiseta.
Entre os estados que a tributação ocorre, há basicamente três sistemas: um percentual sobre o preço de venda, um valor sobre o peso, ou um valor sobre a potência segundo o nível de THC. Em alguns casos, há sistemas híbridos (em cima do preço e peso, por exemplo).
Por ser mais simples, a cobrança em cima do preço de venda é a mais comum. Esse percentual varia de 37% em Washington a 6% no Missouri.
No Alasca, é cobrado US$ 50 por onça (aproximadamente 28g) de flores maduras, considerada a parte mais potente da planta. Valores menores são cobrados de outras partes.
Já em Nova Jersey, a taxa é a mesma para todas as partes da planta, mas varia conforme o preço médio da droga no varejo (quanto mais cara, menor o imposto).
Connecticut é o único estado em que o sistema todo é baseado apenas na potência da droga, ou seja, no nível de THC. No caso da planta em si, o valor é de US$ 0,625 por miligrama da substância, e sobe para US$ 2,75 por miligrama em comestíveis (conhecidos como edibles).
Colorado, Illinois, Maine, Nevada e Nova York usam uma mistura desses sistemas.
A escolha por cada um não é aleatória. Enquanto a cobrança sobre o preço é mais simples, ela também deixa os estados vulneráveis à variação do valor da droga no mercado —o que a experiência dos últimos anos tem mostrado ser bastante volátil. Ou seja, cai o preço, cai a receita.
Por isso, a cobrança por peso é uma solução mais estável, já que a quantidade comercializada varia menos que o preço. O problema é que a cobrança é mais complexa, e mais permeável a fraudes.
A escolha por tributar a potência, por sua vez, prioriza desestimular o uso de formas mais potentes da droga —o que a cobrança baseada em um único percentual em cima do preço pode incentivar, já que uma versão mais forte acaba ficando proporcionalmente mais barata que uma mais fraca.
O problema, novamente, é a complexidade da cobrança, que exige uma análise ainda mais sofisticada do que o peso para medir o nível de THC.
Nesse sentido, os americanos ainda estão experimentando a tributação da droga. A Califórnia, por exemplo, abandonou no ano passado a cobrança em cima do peso para ficar apenas com uma taxa de 15% sobre o preço de venda.
Patrick Oglesby, fundador do Center for New Revenue (centro para novas receitas), já trabalhou nos comitês do Congresso americano sobre tributação e foi copresidente da comissão da Califórnia que estudou a taxação da droga.
Ele considera a cobrança de um percentual sobre o preço o método mais primitivo. O especialista explica que ela tende a encarecer muito o preço do produto logo após a legalização, uma vez que a demanda nesse estágio é maior do que a oferta.
Na outra ponta, quando o mercado se estabiliza e os preços caem, o imposto tem um efeito pequeno sobre o preço final —um problema, pensando no objetivo de desestimular o uso.
Oglesby considera a escolha de Nova Jersey, por uma taxa que varia conforme o preço médio, uma proposta interessante, mas que precisa ser acompanhada por mais tempo para entender os seus efeitos (as vendas legais no estado começaram em abril do ano passado).
Ele também acha difícil o peso das receitas com maconha superar os 2% já quase alcançados em Colorado e Nevada. “O mercado ilegal está pronto para ampliar sua participação de mercado se os impostos ficarem muito altos. Consumidores também podem ir comprar em outro estado”, diz.
Além do “imposto do pecado”, outras taxas também podem incidir sobre as vendas —impostos gerais cobrados sobre qualquer transação independente do produto, como a compra de uma roupa, a nível estadual e local.
Considerando todas essas variações, os especialistas Richard Auxier e Nikhita Airi fizeram um exercício para permitir algum nível de comparação entre a taxação nos estados.
Em um cenário hipotético em que um consumidor compra 1 onça (28g) da flor da maconha com um nível de 20% de THC por US$ 100 (pré-imposto), o estado que mais tributa é o Alasca (US$ 57,50). Na outra ponta, está Nova Jersey, com uma carga de US$ 14,32.