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Violência reemerge nos EUA 60 anos após morte de Kennedy – 21/11/2023 – Mundo

Em 22 de novembro de 1963, o presidente John F. Kennedy foi assassinado em Dallas, no Texas –um evento que chocou os Estados Unidos e o mundo. Sessenta anos depois, a sociedade americana se vê mais uma vez diante de uma escalada da violência, originada sobretudo na extrema direita, mas também com adesão na extrema esquerda, e que reflete o fortalecimento da crença de que uma derrota política pode significar uma ameaça fatal.

Entre 2019 e 2021, 995 pessoas foram acusadas de cometer um crime extremista motivados por uma ideologia, segundo levantamento do Consórcio Nacional para o Estudo de Terrorismo e Respostas ao Terrorismo (Pirus, na sigla em inglês), mantido pelo Departamento de Segurança Nacional e a Universidade de Maryland.

Segundo a ferramenta, que rastreia esses dados desde 1970, quase 90% dos acusados em 2021 eram filiados à extrema direita, o maior percentual já registrado em toda a série histórica, reflexo em parte do ataque ao Capitólio por apoiadores do ex-presidente Donald Trump.

A onda atual de radicalização começou em 2016, catalisada pela retórica de Trump em sua primeira disputa pela Presidência, e agravada pela pandemia de Covid-19, afirmam analistas. Suas origens, no entanto, são mais fundas, relacionadas a uma percepção por certos grupos, sobretudo brancos conservadores, de perda de espaço na sociedade e de ameaça ao seu estilo de vida –medos potencializados por redes sociais e teorias da conspiração.

Nesse cenário, o recurso à violência é visto como justificável, tanto porque uma derrota política é vista como uma ameaça vital, quanto porque o “outro lado” deixa de ser um adversário e vira um inimigo.

Essa tendência é predominante na extrema direita, mas não é exclusiva. Atos de violência por indivíduos de esquerda também foram registrados, como a tentativa de assassinato do prefeito de Louisville, o democrata Craig Greenberg, por um militante, em fevereiro do ano passado.

Pesquisa de opinião feita pelo Projeto sobre Seguranças e Ameaças, da Universidade de Chicago (Cpost, na sigla em inglês), mostra um percentual relevante de democratas que veem o uso da força como justificável para barrar a volta de Trump à Presidência, defender o direito ao voto da população negra e o direito ao aborto a nível federal –neste último caso, percentual que vem crescendo desde a mudança de entendimento da Suprema Corte, no ano passado.

Na direção contrária, o número de americanos que concordam com o uso da violência para restaurar o ex-presidente na Casa Branca voltou a crescer entre abril e junho deste ano, após a primeira acusação criminal apresentada contra o empresário. Segundo o Cpost, esse número alcançou os 18 milhões, um aumento de 6 milhões em dois meses atribuído ao processo na Justiça.

“As normas do que é aceitável em termos de discurso político se desgastam um pouco”, afirma o cientista político Jonathan Hanson, da Universidade de Michigan. “Nos anos 1960, a violência política nunca chegou ao nível do questionamento constitucional, como o que vimos no 6 de Janeiro”, compara.

Hanson vê a onda atual como a imagem oposta do que ocorreu nos anos 1960 e 1970, quando movimentos de esquerda em defesa de grupos minoritários muitas vezes recorreram à violência ou foram alvo de repressão violenta pelo Estado, como nos protestos contra a Guerra no Vietnã e os de Stonewall.

“O que estamos vendo após a eleição de Trump é uma tentativa, de certa forma, de reagir a isso”, diz Hanson, lembrando que o empresário sucedeu o primeiro presidente negro na Casa Branca, Barack Obama, sob a bandeira de construir um muro para impedir a entrada de imigrantes.

Outra diferença da violência atual para a das décadas anteriores é o perfil dos criminosos. De acordo com o Pirus, se nos anos 1970 e 1980 apenas 30% deles agiam sozinhos ou eram membros de pequenos grupos, desde 2010 esse percentual ultrapassou os 70%.

Na extrema direita, perpetradores de violência tendem a ser mais velhos, têm pouca formação acadêmica, taxas mais elevadas de experiência militar e histórico prévio de atos de violência comum antes da radicalização. Já os de extrema esquerda tendem a ser jovens e têm uma probabilidade maior de serem mulheres do que homens, em comparação com outros perfis.

Uma hipótese levantada para a pesquisa para essa mudança são as mídias sociais, que aceleram o processo de radicalização de indivíduos, expostos à desinformação e às teorias da conspiração.

Em 2007, menos de 20% dos acusados de violência extremista mapeados pela ferramenta tinham praticado algum ato violento no período de um ano depois de entrarem em contato com uma ideologia extremista pela primeira vez. Já em 2021, esse percentual chegava a quase 50%.

Essa aceleração dificulta ainda mais as tentativas de prevenção de crimes pelas autoridades, porque encurta a janela de tempo para detectar esses indivíduos e desmobilizar seus planos, alerta o relatório.

A teoria de conspiração conhecida como QAnon, segundo a qual políticos democratas, celebridades de Hollywood e outros membros da elite global coordenam uma rede de exploração pedófila, foi o motivador mais comum para atos de violência, segundo o Pirus.

De 2019 a 2021, mais de 125 dos acusados mapeados pela ferramenta promoviam o QAnon. As ações resultaram em nove mortos e dois feridos.

Segundo a pesquisadora Rachel Kleinfeld, integrante da Força-Tarefa Nacional para Crises Eleitorais, o próprio funcionamento do sistema eleitoral americano intensifica essa radicalização.

Isso porque, conforme as identidades partidárias se solidificaram com homens brancos cristãos se alinhando aos republicanos, enquanto uma base urbana e mais diversa tende a ser democrata, o partido de Trump teve poucos incentivos para moderar seu discurso –dado que o voto não é obrigatório nos EUA, a retórica violenta mobiliza os mais radicais.

“Na extrema esquerda, sentimentos violentos estão emergindo do mesmo senso de ameaça ao grupo, mas em sentido inverso: aqueles mais dispostos a desumanizar a direita são aqueles que se veem como defendendo as minorias raciais”, diz Kleinfeld, em artigo no Journal of Democracy.

Fonte: Folha de São Paulo

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