O rio Jordão serpenteia desde o extremo nordeste de Israel, passando pelo mar da Galileia até o mar Morto. Durante a maior parte do seu percurso de 250 quilômetros, o Jordão marca a fronteira entre Israel e a Cisjordânia, de um lado, e a Jordânia, do outro.
A costa mediterrânea combinada de Israel e da Faixa de Gaza, situada a oeste, tem quase o mesmo comprimento. A faixa de terra limitada pelo rio, a leste, e pelo mar, a oeste, tem apenas 60 quilômetros de largura.
Geograficamente, é perfeitamente claro o que o slogan “do rio ao mar” delineia: Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza. A mensagem política que emana deste slogan é, portanto, altamente controversa. Na Alemanha, ele foi proibido pelo Ministério do Interior no início deste mês.
Desde o ataque terrorista perpetrado pelo Hamas em 7 de outubro —no qual, segundo Israel, pelo menos 1.200 pessoas foram mortas e cerca de 240 outras foram sequestradas— e da subsequente ofensiva israelense em Gaza, com ao menos 12 mil palestinos mortos, ocorreram diversas manifestações de solidariedade em todo o mundo, realizadas por ambos os lados. Em alguns casos, as passeatas foram criticadas por difundirem propaganda islâmica e antissemita.
Em muitas manifestações pró-Palestina, é entoada, entre outras, a frase “Do rio ao mar, a Palestina será livre”. A expressão “do rio ao mar” também circula nas redes sociais e hoje pode até ser vista estampada em velas, bandeiras e moletons que são vendidos online.
É um slogan que tem dado novo vigor a ativistas pró-Israel e pró-Palestina, embora já exista há décadas. Muitos ativistas pró-palestinos dizem que é um apelo à paz e à igualdade, após décadas de ocupação israelense. Outros, porém, veem esse slogan como um apelo claro à destruição de Israel.
Origem na OLP
A expressão “Do rio ao mar” foi usada pela primeira vez em 1964 pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Quando foi fundada, exigia o estabelecimento de um Estado único que se estenderia do Jordão ao Mediterrâneo. A OLP rejeitava firmemente o plano de partilha da Palestina aprovado pela ONU em 1947.
Desde a Guerra dos Seis Dias em 1967, o termo tem sido cada vez mais adotado por outros grupos palestinos e também usado como um apelo para libertar a Palestina da ocupação israelense –tanto por iniciativas pacíficas para promover a independência palestina, como também cada vez mais por organizações radicais, como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) ou o Hamas, este fundado em 1987.
Ambos são classificados de organizações terroristas pela União Europeia, pelos EUA e por outros países. O Hamas reivindicou o slogan para si em 2012, quando o seu líder Khalid Meshal declarou num discurso por ocasião do 25º aniversário da sua fundação: “A Palestina é nossa do rio ao mar e do sul ao norte”.
Em 2017, o lema também foi incluído no estatuto da organização terrorista, que defende ainda a o desmantelamento à força do Estado de Israel. E em dezembro de 2022, o Hamas republicou o slogan, juntamente com um mapa da região, mostrando um Estado palestino, mas sem incluir Israel.
Pacífico ou radical?
Na verdade, o slogan deixa em aberto o que “uma Palestina livre do rio ao mar” significaria para o direito de existência de Israel. Dessa forma, pode ser usado tanto por ativistas pacíficos como por aqueles mais radicais.
Em 2021, por exemplo, o cientista político palestino-americano Yousef Munayyer argumentava que a fórmula “do rio ao mar” apenas descreve o espaço em que foram negados aos palestinos numerosos direitos desde a sua expulsão em 1948 –não só nos territórios ocupados como também em Israel–, expressando o desejo de um Estado em que “os palestinos possam viver na sua terra natal como cidadãos livres e iguais, que não sejam dominados nem dominem os outros”.
No início deste mês, o pesquisador escreveu nas mídias sociais que não há “um centímetro quadrado de terra entre o rio e o mar onde os palestinos tenham liberdade, justiça e igualdade”, acrescentando: “e nunca foi tão importante enfatizar isso como agora”.
O slogan é antissemita?
Do lado pró-Israel, esta liberdade de interpretação não é aceita, sendo o slogan amplamente percebido como claramente antissemita e antissionista –e como um apelo mal disfarçado à aniquilação de Israel.
“Não tenham dúvidas de que o Hamas aplaude estes cânticos ‘do rio ao mar’, porque uma Palestina entre o rio e o mar não deixa um centímetro de espaço para Israel”, diz uma carta aberta assinada por 30 meios de comunicação judeus de todo o mundo e publicada na semana passada.
“É claro que não há nada de antissemita em defender que os palestinos devem ter o seu próprio Estado”, escreve o Comitê Judaico Americano no seu site. “No entanto, é antissemita exigir a eliminação do Estado judeu; elogiar o Hamas ou outras organizações que defendem a destruição de Israel; ou afirmar que os judeus não têm direito à autodeterminação.” A instituição argumenta que o uso do slogan se tornou insustentável a partir do momento em que foi adotado e reivindicado por organizações radicais palestinas.
Proibição
O principal ponto de discórdia é se o slogan inclui ou exclui a população israelense. Estará ele simplesmente exigindo direitos iguais para os palestinos ou a conquista e aniquilação do Estado de Israel?
Na Alemanha, as autoridades judiciais discordaram durante muito tempo sobre o assunto. O slogan foi considerado por bastante tempo como algo fundamentalmente aceitável, protegido pela liberdade de expressão. A argumentação era que declarações só são puníveis se incitarem à violência, algo que não pode ser claramente determinado neste slogan.
No entanto, houve uma mudança de pensamento quanto à questão, e o Ministério do Interior alemão decidiu proibir o uso do mote, sob o argumento de que constitui um apoio ao Hamas e um apelo à violência contra os judeus e o Estado de Israel.
Seu uso é passível de multa por “incitamento ao ódio racial” e, no pior dos casos, de pena de prisão de até três anos. Alguns estados alemães já iniciaram processos criminais referentes ao uso do slogan após a proibição.
Também houve controvérsias acaloradas em torno do uso do slogan em outros países. Uma manifestação na Áustria foi proibida em outubro por esse motivo. No Reino Unido, o Partido Trabalhista impôs uma pena temporária ao deputado Andy McDonald por usar a frase durante uma manifestação pró-palestinos.
E nos EUA a Câmara dos Representantes repreendeu a deputada democrata Rashida Tlaib –a única da Casa com raízes palestinas. Ela condenou o ataque do Hamas, mas depois fez várias declarações críticas sobre as ações de Israel em Gaza –e usou o controverso slogan.