Foi por pouco, foi uma batalha dura.
Por 179 votos contra 171, apenas 3 mais do que a maioria absoluta, Pedro Sánchez, do PSOE (Partido Socialista Obrero Español), foi oficialmente investido como presidente do governo espanhol nesta quinta-feira (16).
Será o segundo mandato completo do premiê, que está à frente do governo desde 2018.
O novo governo de Sánchez vem acompanhado de propostas bastante aguardadas no âmbito social, como reajustes na jornada de trabalho, a tramitação de uma Lei de Direitos Culturais, aprovação de uma lei de agricultura familiar, medidas de proteção contra violência doméstica e de gênero, ampliação de direitos de famílias monoparentais, ampliação da licença maternidade/paternidade para 20 semanas, aumento do salário mínimo e prorrogação da redução de impostos sobre alimentos.
VITÓRIA PELA ANISTIA
Desde 23 de julho deste ano, quando saíram os resultados das eleições gerais parlamentares na Espanha, direita e esquerda vinham suando pra conseguir juntar maioria a fim de impor seus candidatos respectivos.
(Parênteses: vejo que o sistema político espanhol gera uma série de dúvidas entre estrangeiros acostumados a um sistema presidencialista — entre eles, nós, brazilêros ;).
Por isso, perdão aos que opinam que a informação a seguir é óbvia. Mas, como vários conterrâneos já me perguntaram a respeito, aí vai:
Aqui na Espanha, a exemplo de outras monarquias parlamentaristas como Bélgica, Suécia ou Reino Unido, o chefe de estado formal é o rei. Como reza o “dicho”, este reina, mas não governa.
Na Espanha, o rei — atualmente, Felipe VI, que herdou o trono do pai Juan Carlos I depois da renúncia deste em 2014 — deve se submeter à Constituição e aos poderes judicial, legislativo e executivo.
O premiê ou primeiro-ministro, aqui chamado de presidente do governo, é a figura central do poder executivo, e eleito a cada 4 anos pelo Congresso dos Deputados. Este último, sim, por sua vez, é eleito por voto direto, junto com os membros do Senado.)
A direita apresentou como candidato o ex-governador da Galícia, Alberto Núñez Feijóo, atual presidente do Partido Popular (PP), o maior partido conservador do país, com apoio do ultradireitista Vox.
Para fazer frente à massa direitista, os socialistas investiram em longas negociações para costurar acordos com outros 7 partidos.
Sánchez defendeu as alianças em seu discurso de investidura: “o único muro eficaz contra as políticas de extrema-direita nas comunidades e nas câmaras municipais tem sido o governo de coligação progressista de Espanha”.
Entre os pactos para o novo governo, o PSOE aliou-se ao ERC e ao Juntos pela Catalunha (Junts), partidos separatistas catalães, o que gerou uma das polêmicas mais acirradas desta campanha.
O acordo com o Junts para obter os votos de seus 7 deputados, considerados decisivos para a vitória, incluiu a promessa de concessão da anistia aos presos políticos envolvidos no ‘Procés’ independentista de 2017 e na consulta popular de 2014.
Carles Puigdemont, dirigente do Junts, era governador da Catalunha à época do último referendo independentista.
Em 2017, pouco menos da metade da população catalã compareceu às urnas, mas a maioria dos votos foi a favor da separação. Ato seguido, o governo de Puigdemont declarou independência unilateral da Espanha.
Acusado pelo governo espanhol de peculato e desobediência (a acusação de sedição foi retirada em janeiro deste ano), o líder do Junts fugiu do país para não ser preso. Vive hoje no exílio, em Bruxelas, de onde ainda comanda o partido.
Apoiadores da direita foram às ruas nos últimos dias para protestar contra a posse de Sánchez, tomando a oferta da anistia catalã como leitmotiv principal.
O tema, no entanto, é mais complexo do que parece.
Embora Sánchez tenha afirmado que se trata de uma medida “perfeitamente legal e de acordo com a Constituição”, a concessão da anistia como tal não será automática. Ainda deverá passar por etapas de negociação política e jurídica, já que não se trata de um instrumento jurídico explicitamente previsto na Constituição espanhola.
Segundo alguns juristas, o fato de a anistia não ser expressamente proibida pela Constituição atual poderia ser um ponto a favor de sua concessão.
Por outro lado, opositores questionam que a anistia proposta seria equivalente a um indulto geral, este, sim, proibido pela Constituição.
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A única anistia geral (não fiscal) já aprovada no país é anterior à Constituição atual de 1978 e foi promulgada num período de transição para a democracia pós-franquista, em 1977.
Na época, além dos presos políticos, a anistia beneficiou também torturadores e autoridades vinculadas ao regime ditatorial de Franco. O episódio, claro, deixou uma marca profunda, afetiva, política e humana, no imaginário da população espanhola.
A anistia proposta agora seria seletiva, não geral. Seus beneficiados seriam os personagens envolvidos nos processos separatistas catalães, embora a abrangência de ‘contemplados’ ainda esteja, neste momento, em negociação.