Uma das razões, talvez a principal, que torna Portugal um centro da vida política brasileira, e Lisboa uma espécie de pequena Brasília alfacinha, é a quantidade impressionante de personalidades da elite política, cultural e empresarial brasileira que lá moram.
Magistradas e magistrados, ministros e ministras, advogadas e advogados, escritores e escritoras, artistas, jornalistas e intelectuais de toda a sorte e espectro político encontram-se hoje em Portugal, porto seguro em uma terra que os recebe como ninguém —e falando português.
Uma dessas personalidades é Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, o mais famoso advogado criminalista do Brasil, mas que hoje transcende as fronteiras do seu ofício, emergindo com fulgor de mecenas no universo da cultura e da política em língua portuguesa.
Entre o diletante e o enfant terrible, Kakay surpreende no mapa-múndi da elite luso-brasileira com atividade variada, entre o jurídico e o literário e, na entrevista que deu à coluna, em Lisboa —e que pode ser ouvida na íntegra aqui— falou do momento que Portugal e o Brasil atravessam.
Foi na mesma mesa do restaurante Cícero, a que Lula escolheu para se encontrar com Gilmar Mendes, ainda antes de tomar posse, que o advogado-agora-poeta expressou a sua visão de um Brasil caminhando na corda bamba entre a barbárie e a civilização.
Observador atento dos movimentos sociais e políticos, Kakay, multicolunista prolixo, habitual visita dos corredores do poder, entre confissões e desejos, discorreu sobre o recente período eleitoral. Afirmando não ser petista, garante que a vitória de Lula representou mais do que um triunfo político; foi um resgate da democracia.
Sua análise do cenário político é intrínseca à compreensão do papel da cultura na sociedade. Diz que a cultura, especialmente a literatura, oferece um antídoto contra a brutalidade e a ignorância e a poesia não é apenas uma forma de expressão, mas um meio de resistência e um refúgio em tempos de turbulência.
Preocupado com a crescente ascensão da extrema direita, tanto no Brasil quanto na Europa, compara as nuances desse fenômeno nos dois continentes e enfatiza: é preciso compreender as suas raízes sociais e políticas. O extremismo, independentemente de onde surge, é reflexo de profundos desequilíbrios na sociedade.
A democracia brasileira, atira, é obra inacabada, um projeto que precisa ser constantemente defendido e reinventado. A importância do diálogo, da tolerância e, acima de tudo, da humanidade no processo político estão sempre presentes no desenho que faz da atualidade. “Política não é apenas o teatro do poder; é o palco onde se desenrolam as lutas e esperanças de um povo.”
Hoje, mais maduro e resolvido, Kakay é assíduo participante de festivais literários, em Portugal e no Brasil e, foi das suas mãos que a escritora Conceição Evaristo recebeu o prêmio Juca Pato, na terceira edição do Flitabira, decorrido no início do mês de novembro na cidade mineira onde nasceu Carlos Drummond de Andrade.
Na frase com que se apresenta no WhatsApp ele assina: “bem-vindos ao meu delírio”, o que denomina como um convite para transcender o mundano e enxergar o mundo através de uma lente humanista e sensível.
É nesse espaço, entre a política e a poesia, que o principal defensor da classe política brasileira —”quatro presidentes da República, mais de 80 senadores e muitos governadores” segundo o próprio—, encontra-se verdadeiramente em casa.
Entre Lisboa e São Paulo, Brasília e Paris, num espaço-tempo onde, como ele gosta de dizer, “a justiça e a beleza coexistem”.
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