Em 1971, o Departamento de Estado americano criou um canal de dissidência para diplomatas e funcionários de carreira expressarem desacordo com a política externa do país. Diplomatas têm obrigação de representar o Estado, mesmo se discordarem das ordens que recebem, mas a desastrosa guerra no Vietnã, então em curso, havia erodido drasticamente a confiança dentro do departamento.
O apoio de Joe Biden ao governo de Binyamin Netanyahu já gerou pelo menos três telegramas de protesto e forçou o secretário de Estado, Antony Blinken, a se manifestar publicamente, dizendo que está escutando as preocupações dos diplomatas.
É impossível saber se a insatisfação se restringe a uma minoria. Os queixosos têm o anonimato garantido pelo canal de dissidência. Mas os telegramas acusam Israel de crimes de guerra, e um deles alerta para “cumplicidade com genocídio.”
Há sinais evidentes de insatisfação diante da matança indiscriminada de civis em Gaza. Nesta semana, mais de 500 funcionários públicos federais enviaram uma carta ao presidente pedindo um cessar-fogo imediato, não as pausas curtas nos bombardeios defendidas pelo governo americano. Entre os signatários, há representantes de 40 agências federais, inclusive ocupantes de cargos políticos, que trabalharam pela eleição de Biden em 2020.
Embora a carta, obtida pelo The New York Times, comece com uma denúncia do ataque terrorista do Hamas, no dia 7 de outubro, o texto pede, além de um cessar-fogo “urgente”, a restauração do abastecimento de água, eletricidade e combustível em Gaza e a passagem de ajuda humanitária adequada para a população palestina.
Na semana passada, mais de mil funcionários da Usaid, a agência internacional de desenvolvimento dos EUA, assinaram uma carta aberta ao presidente com apelos similares e denúncias de violações da lei internacional.
Joe Biden fez um cálculo político em outubro, quando discursou em horário nobre da TV americana. A Câmara estava sem presidente, com o líder Kevin McCarthy deposto por iniciativa de uma minoria trumpista que quer bloquear a ajuda à Ucrânia.
Biden colocou a ajuda externa para Israel e Ucrânia como igualmente vitais para a segurança nacional. Não convenceu a opinião pública –68% dos americanos discordam dele sobre o cessar-fogo– nem os republicanos na Câmara, que aprovaram, no último dia 2, US$14,5 bilhões de ajuda militar a Israel e nada para a Ucrânia. O acordo de última hora para evitar a paralisação do governo federal, aprovado na terça (14), terminou por não incluir ajuda extra para os dois países.
O problema de sugerir equivalência entre a solidariedade com a Ucrânia e o apoio incondicional à reação militar israelense que já matou mais de 4.700 crianças é Biden expor a histórica hipocrisia americana com atrocidades em quintal alheio, além de ser um desserviço para o argumento cada vez mais contestado de que os ucranianos merecem socorro internacional.
O presidente americano apoiou a decisão do Tribunal Penal Internacional de emitir um mandado de prisão contra Vladimir Putin por crimes de guerra cometidos na Ucrânia. Seu governo sugeriu que o Irã, ao fornecer armas para a invasão russa, era cúmplice dos mesmos crimes. Quem é o maior padrinho militar de Israel?
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