O ex-presidente Donald Trump está planejando uma expansão extrema de sua repressão à imigração durante seu primeiro mandato, caso retorne ao poder em 2025. Os planos incluem a prisão em larga escala de pessoas que vivem nos Estados Unidos sem permissão legal em campos, enquanto aguardam a expulsão —medida que restringiria drasticamente tanto a imigração legal quanto a ilegal.
Em entrevistas ao jornal americano The New York Times, vários assessores de Trump deram a descrição mais abrangente e detalhada até agora da agenda de imigração de Trump em um possível segundo mandato. Em particular, a campanha de Trump encaminhou perguntas para este artigo a Stephen Miller, um arquiteto das políticas de imigração do primeiro mandato de Trump que continua próximo ao republicano e espera ocupar um cargo de alto escalão em um segundo governo.
Todas as medidas que os assessores de Trump estão preparando, segundo Miller, dependem de estatutos já existentes. A equipe provavelmente buscaria uma reforma das leis de imigração, mas o plano foi elaborado para não precisar de uma nova legislação. Embora ele reconheça que processos judiciais contestariam quase todas elas, a ampla gama de táticas da equipe de Trump seriam uma forma de sobrecarregar advogados de direitos dos imigrantes, de acordo com Miller.
Para começar, o republicano quer reviver suas políticas de fronteira do primeiro mandato, incluindo a proibição da entrada de pessoas de certas nações de maioria muçulmana e a reimposição de uma política da época da pandemia de recusar pedidos de asilo. Desta vez, ele basearia essa recusa em alegações de que os migrantes carregam outras doenças infecciosas, como tuberculose.
O empresário planeja ainda vasculhar o país em busca de imigrantes que vivem sem permissão legal e deportar milhões de pessoas por ano.
Para ajudar a acelerar as deportações em massa, Trump prepara a amplificação de uma forma de remoção que não requer audiências no devido processo legal. Ele planeja realocar agentes federais e transferir policiais locais e soldados da Guarda Nacional de estados governados por republicanos para ajudar o Serviço de Imigração e Controle de Alfândega a realizar operações de busca em larga escala.
A previsível pressão sobre as instalações do serviço de imigração seria aliviada por grandes campos para deter as pessoas enquanto seus casos são processados e elas aguardam voos de deportação. Para contornar qualquer recusa do Congresso em apropriar os fundos necessários, Trump redirecionaria dinheiro do orçamento militar, como fez em seu primeiro mandato para gastar mais em um muro na fronteira do que o Legislativo havia autorizado.
O conjunto de planos de Trump para 2025 representa um ataque à imigração em uma escala sem precedentes na história moderna dos EUA. Milhões de imigrantes que vivem sem permissão legal seriam proibidos de entrar ou deportados após anos ou até décadas no país.
Uma escala tão grande de remoções levantaria desafios logísticos, financeiros e diplomáticos e seria vigorosamente contestada nos tribunais.
Em um segundo mandato de Trump, os vistos de estudantes estrangeiros que participaram de protestos anti-Israel ou pró-palestinos seriam cancelados. Os funcionários consulares dos EUA no exterior receberiam instruções para expandir a triagem ideológica dos solicitantes de visto para bloquear pessoas que a administração Trump considera ter atitudes indesejáveis. As pessoas que receberam o status de proteção temporária porque são de certos países considerados inseguros, permitindo-lhes viver e trabalhar legalmente nos EUA, teriam esse status revogado.
Da mesma forma, várias pessoas que foram autorizadas a viver temporariamente no país por motivos humanitários também perderiam essa condição e seriam expulsas, incluindo dezenas de milhares de afegãos que fugiram durante a tomada do poder pelo Talibã em 2021 e foram autorizados a entrar nos EUA. Aqueles que possuem vistos especiais concedidos a pessoas que ajudaram Washington seriam reavaliados para verificar se eles realmente o fizeram.
Por fim, Trump tentaria acabar com a cidadania por nascimento para bebês nascidos nos EUA em famílias que vivem sem permissão legal, ordenando que as agências parassem de emitir documentos como cartões do Seguro Social e passaportes. A legitimidade legal dessa política, assim como quase todos os planos de Trump, certamente acabaria perante a Suprema Corte.
As ferramentas a explorar
Desde que Trump deixou o cargo, o ambiente político em relação à imigração tem se movido em sua direção. Ele está mais confortável para explorar esse ambiente agora do que quando venceu a eleição pela primeira vez, como um outsider.
O declínio da pandemia do coronavírus a retomada dos fluxos de viagem têm ajudado a desencadear uma crise migratória global, com milhões de venezuelanos e centro-americanos fugindo da turbulência de seus páises e africanos chegando aos países da América Latina antes de continuarem sua jornada rumo ao norte. Diante do número recorde de migrantes na fronteira sul e além dela, em cidades como Nova York e Chicago, os eleitores estão frustrados e até mesmo alguns democratas estão pedindo ações mais rigorosas e pressionando a Casa Branca para gerenciar melhor a crise.
Trump e seus assessores veem a oportunidade e agora sabem melhor como aproveitá-la. Os assessores em quem o republicano confiou nos caóticos primeiros dias de governo às vezes discordavam e não tinham experiência para manipular as alavancas em âmbito federal. No final de seu primeiro mandato, os funcionários do gabinete e advogados que buscaram restringir algumas de suas ações —como seu secretário de Segurança Interna e chefe de gabinete, John Kelly— haviam sido demitidos, e aqueles que permaneceram aprenderam muito.
Em um segundo mandato, Trump planeja instalar uma equipe que não o restrinja.
Como grande parte da repressão à imigração no seu primeiro mandato está nos tribunais, o ambiente jurídico se inclinou a seu favor. Seus quatro anos de nomeações judiciais deixaram tribunais de apelação federais e uma Suprema Corte muito mais conservadora do que os tribunais que analisaram os desafios às suas políticas no primeiro mandato.
A disputa sobre a Ação Diferida para Chegadas de Crianças (Daca, na sigla em inglês) nos dá uma ilustração desse cenário.
O Daca é um programa da era do ex-presidente Barack Obama que protege da deportação e concede autorizações de trabalho a pessoas que foram trazidas ilegalmente para os EUA quando crianças. Trump tentou acabar com ele, mas a Suprema Corte o bloqueou por motivos processuais em junho de 2020.
Miller disse que Trump tentaria novamente acabar com o Daca. E a maioria de 5 a 4 da Suprema Corte que bloqueou a última tentativa não existe mais —alguns meses após a decisão, a juíza Ruth Bader Ginsburg morreu, e Trump a substituiu por uma juíza conservadora, Amy Coney Barrett.
Impedindo a entrada de pessoas
O plano é retomar de onde parou e ir muito além. Ele não apenas retomaria algumas das políticas que foram criticadas como draconianas durante sua presidência —muitas das quais a Casa Branca, sob Biden, encerrou—, mas também as expandiria e as tornaria mais rigorosas.
Um exemplo se concentra na expansão das políticas do primeiro mandato destinadas a impedir a entrada de pessoas no país. Trump planeja suspender o programa de refugiados e mais uma vez proibir categoricamente visitantes de países considerados problemáticos, em sua maioria de maioria muçulmana —ação que Biden chamou de discriminatória e encerrou em seu primeiro dia no cargo.
Trump também usaria a diplomacia coercitiva para induzir outras nações a ajudar, inclusive tornando a cooperação uma condição para qualquer outro engajamento bilateral, disse Miller. Por exemplo, um segundo governo buscaria restabelecer um acordo com o México para que os solicitantes de asilo permaneçam lá enquanto seus pedidos são processados. (Não está claro se o México concordaria, e um tribunal do país já disse que o acordo violaria os direitos humanos.)
Trump também pressionaria para retomar acordos de “terceiro país seguro” com várias nações da América Central e tentaria expandi-los para África, Ásia e América do Sul. Sob tais acordos, os países concordam em receber solicitantes de asilo de nações específicas e permitir que eles solicitem asilo lá.
Embora tais acordos tradicionalmente tenham coberto apenas migrantes que já haviam passado por um terceiro país, a lei federal não exige esse limite. Um segundo governo Trump buscaria fazer essas negociações sem esse limite, em parte como um impedimento para migrantes que fazem o que a equipe de Trump considera pedidos de asilo ilegítimos.
Ao mesmo tempo, Miller disse que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças invocariam a lei de poderes de emergência de saúde pública conhecida como Título 42 para novamente se recusar a ouvir quaisquer pedidos de asilo de pessoas que chegam à fronteira sul. A administração Trump havia discutido internamente essa ideia no início do mandato de Trump, mas alguns secretários do gabinete se opuseram, argumentando que não havia uma emergência de saúde pública que justificasse legalmente isso. A administração acabou implementando a medida durante a pandemia.
Desde então, a ideia ganhou aceitação na prática, diz Miller, e até Biden inicialmente manteve a política. Trump, então, invocaria o Título 42, citando “cepas graves de gripe, tuberculose, sarna, outras doenças respiratórias como RSV e assim por diante, ou apenas uma questão geral de migração em massa como uma ameaça à saúde pública e transmitindo uma variedade de doenças contagiosas”.
Trump e seus assessores ainda não disseram se reativariam uma das medidas mais polêmicas que ele perseguiu como presidente: separar crianças de seus pais, o que levou a traumas entre os migrantes e dificuldades na reunificação das famílias. Quando pressionado, Trump repetidamente se recusou a descartar a possibilidade de retomar a medida. Após uma indignação pública sobre a prática, Trump a encerrou em 2018, e um juiz posteriormente bloqueou o governo de colocá-la de volta em vigor.
Deportações em massa
Logo após Trump anunciar sua campanha para presidente em 2024, em novembro passado, ele se encontrou com Tom Homan, que comandou o serviço de imigração durante o primeiro ano e meio da administração Trump e foi um dos primeiros defensores da separação de famílias para dissuadir os migrantes.
Em uma entrevista, Homan lembrou que, naquela reunião, ele “concordou em voltar” em um segundo mandato e “ajudar a organizar e executar a maior operação de deportação que este país já viu”.
A visão dos assessores de Trump de deportações em massa abruptas seria uma receita para a agitação social e econômica, perturbando o mercado imobiliário e setores importantes, incluindo agricultura e serviços.
Um passo planejado para superar os obstáculos legais e logísticos seria expandir significativamente uma forma de deportação conhecida como “remoção acelerada”. Ela nega aos imigrantes que vivem no país sem permissão legal as audiências usuais e a oportunidade de apresentar recursos, o que pode levar meses ou anos —especialmente quando as pessoas não estão sob custódia— e tem levado a um grande acúmulo de casos. Uma lei de 1996 diz que as pessoas podem ser sujeitas a remoção acelerada até dois anos após a chegada, mas, até o momento, o Executivo a usou com mais cautela, expulsando rapidamente as pessoas detidas perto da fronteira logo após a travessia.
A administração Trump tentou expandir o uso da remoção acelerada, mas um tribunal bloqueou, e a equipe de Biden cancelou a expansão. Ainda não está claro se a Suprema Corte decidirá que é constitucional usar a lei contra pessoas que vivem por um período significativo nos EUA e expressam medo de perseguição se enviadas de volta para casa.
Trump também disse que invocaria uma lei arcaica, a Lei de Inimigos Alienígenas de 1798, para expulsar suspeitos de pertencerem a cartéis de drogas e gangues criminosas sem o devido processo legal. Essa lei permite a deportação sumária de pessoas de países com os quais os Washington estão em guerra, que invadiram os EUA ou que fizeram “incursões predatórias”.
A Suprema Corte já confirmou o uso passado dessa lei em tempos de conflito, mas seu texto parece exigir uma ligação com as ações de um governo estrangeiro. Não está claro, portanto, se os juízes permitirão que um presidente a estenda para abranger a atividade de cartéis de drogas.
De forma mais ampla, Miller disse que uma nova administração Trump mudaria a prática do serviço de imigração de prender pessoas específicas e passaria a realizar batidas em locais de trabalho e outras operações em locais públicos, com o objetivo de prender dezenas de imigrantes que vivem no país sem permissão legal de uma só vez.
Para tornar o processo de localizar e deportar imigrantes mais rápido, Miller disse que a equipe de Trump traria “os tipos certos de advogados e os tipos certos de pensadores de políticas” dispostos a executar tais ideias.
A magnitude das prisões e deportações demandariam “vastas instalações de detenção que funcionariam como centros de encaminhamento” para imigrantes, enquanto seus casos progridem e eles esperam para serem enviados para outros países.
Miller disse que os novos acampamentos provavelmente seriam construídos “em terras abertas no Texas, perto da fronteira”. O exército os construiria sob a autoridade do Departamento de Segurança Interna. Embora ele tenha alertado para a ausência de projetos específicos, os acampamentos teriam uma aparência profissional, afirma, semelhante a outras instalações para migrantes que foram construídas perto da fronteira.
Para aumentar o número de agentes disponíveis para as operações do serviço de imigração, Miller disse que funcionários de outras agências federais de aplicação da lei seriam temporariamente realocados, e tropas da Guarda Nacional do estado e policiais locais, pelo menos dos estados liderados por republicanos dispostos, seriam designados para esforços de controle de imigração.
Embora uma lei conhecida como Lei Posse Comitatus geralmente proíba o uso das forças armadas para fins de aplicação da lei, outra regra chamada Lei da Insurreição cria uma exceção. Trump a invocaria na fronteira, permitindo o uso de tropas federais para deter migrantes, disse Miller.
“Em resumo”, disse ele, “o presidente Trump fará o que for necessário”.