Um dos investigados pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento com terroristas do Hezbollah disse em depoimento que recebeu cerca de R$ 2.200 para viajar ao Líbano em abril deste ano. Segundo sua versão, ele foi orientado, por meio do WhatsApp de um número paraguaio, a ir a Beirute para um encontro.
Sem a presença de um advogado durante a oitiva na PF, o brasileiro alegou que não sabia para que tipo de trabalho estava sendo chamado a fazer e que só descobriu isso na capital libanesa, onde foi entrevistado pelo que seria o “chefe” de um grupo extremista. Só quando voltou da viagem ele concluiu que poderia ser o Hezbollah.
No documento ao qual a Folha teve acesso, há uma série de trechos tarjados de preto —informações ainda sigilosas e importantes para os investigadores. O nome do depoente também não foi divulgado.
O homem foi alvo de busca e apreensão na quarta (8), em uma operação que a PF deflagrou para prevenir atos terroristas no país. Segundo a polícia, atos preparatórios estavam em andamento para ataques a prédios da comunidade judaica no Brasil.
Dois homens foram detidos e outros dois que estariam no Líbano tiveram seus nomes incluídos na difusão vermelha da Interpol, o canal de foragidos da polícia internacional.
No depoimento, o investigado disse à PF não saber o nome de quem o recrutou no Brasil, dando apenas algumas características do homem: branco, aproximadamente 1,87m, cerca de 42 anos de idade, cabelos castanhos bem claros, nariz grande, magro e barba clara, de acordo com a sua descrição. O encontro para receber o dinheiro teria ocorrido na estação de trem do Brás, em São Paulo.
Ele também deu a sua versão de como foram os dias em Beirute e de como se deu o contato com o grupo extremista.
O investigado teria sido levado até um beco, próximo a um campo de futebol, e colocado em um veículo de cortina preta que o levou até um prédio. No local, segundo falou à PF, homens armados vestidos de preto o conduziram até uma “sala de entrevista”. Ali, um suposto “chefe” o aguardava acompanhado de um segurança, que deixou o local logo em seguida e foi substituído por um tradutor.
O depoente afirmou que não se lembra ou nunca soube o nome das pessoas com quem se reuniu, e também não se recorda do nome do primeiro hotel em que se hospedou. Ele disse apenas que saiu de um muito ruim para outro de luxo.
No encontro, o suposto chefe teria dito ao brasileiro que o trabalho para o qual ele havia sido procurado “não era limpo” e que precisava de “gente capaz de matar e sequestrar”. Ele, então, teria desconversado e dado a entender que não teria capacidade de fazer o que havia sido solicitado.
Após a afirmação, o brasileiro teria ouvido que aquela posição não estava clara. “O declarante olhou para o chefe e falou claramente: eu não sou a pessoa certa para realizar este serviço. E afirmou que não queria desperdiçar o tempo deles”, segundo o relato à PF.
O tal chefe teria gostado de sua sinceridade e dito que ele não sairia do Líbano sem “aprender algumas coisas”. Em seguida, o homem teria usado um quadro branco para fazer alguns desenhos e “instruções para a vida”.
Sobre o chefe e o grupo serem o Hezbollah, o brasileiro afirmou à PF ter imaginado que eles seriam de um grupo criminoso e que, “já no Brasil, pesquisou na internet e concluiu que poderia ser da organização Hezbollah”.
Após o encontro, os interlocutores do brasileiro ainda sugeriram outro trabalho —a aquisição de um táxi para trabalhar e colher dados de pessoas. “O declarante afirmou não ter interesse, visto que não tinha relação com sua carreira”, diz trecho do depoimento.
Após essa nova sugestão, o brasileiro teria sido levado ao hotel. Ali, solicitaram que ele andasse por Beirute para tirar fotos e justificar sua ida ao país como uma viagem de turismo.
Ainda segundo o brasileiro, houve uma ameaça na última reunião. “No último encontro com o chefe, recebeu dele um abraço e foi informado que se os traíssem sofreria consequências muito graves. Que, temeroso, não contou estes detalhes para ninguém.”