Aliado crucial para Israel no Oriente Médio, a Jordânia determinou nesta quarta-feira (1º) a saída de seu embaixador de Tel Aviv em protesto contra a ofensiva militar na Faixa de Gaza. A medida representa uma das maiores derrotas diplomáticas do premiê Binyamin Netanyahu desde o começo da guerra contra o Hamas e, segundo especialistas, pode desencadear um efeito cascata entre países árabes na região.
Ayman Safadi, ministro das Relações Exteriores da Jordânia, afirmou que a decisão será mantida até o fim do conflito e da crise humanitária em Gaza. O embaixador israelense em Amã, por sua vez, havia deixado o território jordaniano há duas semanas alegando motivos de segurança. Agora, está proibido de voltar.
Na prática diplomática, convocar um embaixador estrangeiro é um ato de reprimenda. “Rejeitamos e condenamos a continuação da guerra israelense que mata inocentes em Gaza e provoca uma catástrofe humanitária sem precedentes”, justificou em nota o Ministério das Relações Exteriores da Jordânia.
As críticas remetem à formação da Jordânia, vizinha de Israel. Atualmente, metade dos 11,5 milhões de jordanianos é considerada palestina, diz Monique Sochaczewski, especialista em Oriente Médio e professora do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa). Muitos se estabeleceram no país depois de serem expulsos de suas terras.
Desde o início dos bombardeios em Gaza, houve várias manifestações de apoio aos palestinos em Amã, pedindo por exemplo a anulação do tratado de paz entre Jordânia e Israel, assinado em 1994, além do fechamento da embaixada israelense. A determinação de “retirada imediata” do diplomata foi, entre outros, uma forma da monarquia jordaniana de aliviar a cobrança que vinha sofrendo por parte de seus habitantes.
A causa palestina é uma pauta histórica da população local. No fim da década de 1940, o rei jordaniano Abdullah 1º foi alvo de indignação após endossar a proposta da ONU de dividir a Palestina em dois Estados, um para os judeus —que aceitaram— e outro para os árabes, que disseram não.
Único líder árabe a apoiar a ideia, ele foi acusado de conivência com Israel e acabou assassinado em julho de 1951 na mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, por um nacionalista que não aceitava a partilha.
Já nas últimas décadas, sob a administração do rei Abdullah 2º, bisneto do monarca assassinado, a Jordânia se aproximou de Tel Aviv e passou a intermediar os diálogos entre o vizinho e países considerados hostis a Israel, incluindo o Irã. Em troca, Amã ganhou mais relevância diplomática.
“A Jordânia não é uma potência regional e, por outro lado, busca ter uma chancelaria forte”, diz Danny Zahreddine, pesquisador libanês e professor de relações internacionais da PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais).
Na ONU, a Jordânia capitaneou uma resolução que pede trégua humanitária imediata ao conflito. O documento, feito em conjunto com outros países árabes e islâmicos, foi aprovado na Assembleia-Geral das Nações Unidas na sexta-feira passada (27) e tem apenas caráter recomendatório, não mandatório.
Mas o afastamento da Jordânia pode dificultar ainda mais os diálogos de Israel com outras nações do Oriente Médio, já comprometidos pelas críticas acerca do tamanho da ação israelense em Gaza, segundo Zahreddine.
Mais do que atuar como um interlocutor, o governo jordaniano cooperava com Tel Aviv compartilhando informações de inteligência com o Mossad, o serviço secreto israelense. Zahreddine afirma que Amã abriga representações de grupos palestinos como o Fatah, partido por trás da Autoridade Palestina, e de facções fundamentalistas, como a Al-Qaeda. “E a inteligência da Jordânia se esforça para compreender como a atuação desses grupos, em seu território, pode de alguma forma impactar Israel”, diz.
No Oriente Médio, outra nação estratégica, a Turquia, está na linha de frente das críticas a Tel Aviv, mas não chegou a suspender os trabalhos da representação diplomática em Israel.
Por outro lado, outros países menos importantes no contexto da guerra, todos latino-americanos, fizeram o mesmo que a Jordânia. A Bolívia anunciou na terça (31) o rompimento de laços diplomáticos com Tel Aviv, acusando o país de cometer crimes contra a humanidade em Gaza. No mesmo dia, Chile e Colômbia anunciaram que convocaram seus embaixadores em território israelense.
Os gestos de reprimenda provocaram críticas de Tel Aviv. “Cidadãos da Colômbia, do Chile e de outros países latino-americanos também estão entre as vítimas do hediondo ataque”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Lior Haiat, apelando que os países condenassem explicitamente o Hamas.
No caso da Bolívia, a reação foi ainda mais dura, e Israel acusou o governo de Luis Arce de “capitulação ao terrorismo e ao regime dos aiatolás no Irã”. Uma declaração da chancelaria em Jerusalém ainda procurou minimizar a decisão, afirmando que “as relações entre os países já tinham sido esvaziadas de conteúdo”.
Mas é a decisão da Jordânia, é claro, que tem peso maior no contexto estratégico da guerra. Nesta quarta, por exemplo, o país recebeu um grupo de 33 brasileiros que estavam na Cisjordânia e haviam solicitado sua repatriação ao Brasil. Até a noite desta quarta, o governo de Netanyahu não havia se manifestado sobre a decisão do vizinho.