Criador do termo Bric, o economista britânico Jim O’Neill descreveu o anúncio de expansão do grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul nesta quinta-feira (24) como “sem critério” e disse acreditar que o primeiro pode perder influência dentro do grupo.
Nesta quinta-feira (24), último dia da 15ª Cúpula do Brics, em Joanesburgo, o anfitrião do evento, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, anunciou que Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita foram convidados a aderir ao bloco —a vinculação definitiva começaria em 1º de janeiro de 2024.
“Continuo sem saber o que os Brics pretendem alcançar, além de um simbolismo poderoso”, disse O’Neill à BBC News Brasil. “Isso fica óbvio com a escolha do Irã, por exemplo. Diria que pode até tornar as coisas mais difíceis”, complementou.
O’Neill, que hoje é conselheiro sênior do think tank britânico Chatham House, cunhou o acrônimo Bric num relatório do Goldman Sachs em 2001, quando destacou o potencial econômico de Brasil, Rússia, Índia e China, e a necessidade de a governança econômica e política mundial ser remodelada para incluí-los.
Os próprios países abraçaram o termo e começaram a realizar cúpulas em 2009. Depois, a África do Sul se juntou ao grupo, que passou a ser chamado Brics. Confira os principais trechos da entrevista de O’Neill concedida por telefone à BBC News Brasil.
Como o senhor vê o anúncio de expansão do Brics, que agora contará com mais seis países (Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita)?
Como relativamente estranho. Essa foi a minha reação inicial. Não me parece que haja nenhum critério objetivo usado para determinar quais países seriam convidados a aderir. Minha iimpressão é de que os países que pediram primeiro e se mostraram mais empolgados [com a possibilidade de adesão] foram admitidos.
Mas quais foram os critérios usados para esse convite? Como economista, não vejo nada relacionado ao tamanho da população ou da economia. Não há nenhum denominador comum entre esses seis países.
Na verdade, tenho a suspeita —algo frustrante— de que a prioridade principal foi achar países que se irritam com facilidade com o Ocidente. [A expansão] não me parece particularmente sensata.
O senhor disse recentemente não saber exatamente o que o Brics pretendem alcançar além de um “simbolismo poderoso”. Tem alguma expectativa de que isso mude?
Continuo sem saber o que o Brics pretende alcançar além desse simbolismo poderoso. Isso fica óbvio com a escolha do Irã, por exemplo. Diria que pode até tornar as coisas mais difíceis. A menos que estejamos prestes a descobrir na semana que vem que o Irã passará por amplas reformas.
Para ser honesto, outra coisa que vem à minha cabeça é que não tenho certeza se isso complicará ainda mais a vida do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD, o banco dos Brics, comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff), que sofreu um rebaixamento de classificação de risco (agora revertido, de “negativo” para “estável”).
Obviamente, dado que o Irã está tão afastado das finanças globais ocidentais, imagino que possam existir alguns problemas. Então isso apenas fortalece esse simbolismo e deixa alguém como eu um pouco surpreso. Realmente não entendo o que eles estão fazendo.
Sendo assim, o senhor acha que essa expansão poderia de alguma forma dificultar os esforços do bloco para atingir seus objetivos?
Não era óbvio para mim, antes, o que eles estavam tentando alcançar. E agora é simplesmente ainda mais difícil. Fiquei um pouco surpreso que a Índia, em particular, tenha concordado [com a expansão].
Será que a Índia vai realmente apoiar o Irã? E a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos vão realmente se tornar amigos do Irã? É um tiro no escuro.
Brasil e Índia tinham resistido à proposta da China de expandir o bloco. O senhor acredita que o Brasil pode sair prejudicado?
Compartilho dessa preocupação. Por definição, ao mais do que dobrar o número de membros do bloco, isso claramente diminuirá o papel individual de qualquer um deles, exceto a China.
E se você pôr isso em um contexto latino-americano, em relação ao que falei anteriormente, por que raios a Argentina e não o México, além do fato de que a Argentina é publicamente mais “rabugenta” com o Ocidente?
Me parece que eles estão se enfraquecendo como um grupo coletivo.
E não sei ao certo por qual propósito, além de puro simbolismo.
Pensando no futuro, o que o senhor acha que deve ser o foco do bloco?
Não tenho certeza. Realmente não tenho certeza porque é um grupo de países muito, muito estranho.
Se o critério de escolha dos novos membros fosse o tamanho da economia, os países emergentes mais óbvios a serem incluídos seriam os “Mint” (México, Indonésia, Nigéria e Turquia). Por isso falo de simbolismo.
Ao adicionar esses seis países ao bloco, os Brics não estão nem aumentando a sua parcela no PIB global do agronegócio, porque a maioria deles é muito pequeno, com exceção da Arábia Saudita.