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HomeMundoChina: Navios empregam indonésios em condições degradantes - 30/10/2023 - Mundo

China: Navios empregam indonésios em condições degradantes – 30/10/2023 – Mundo

Esta história é a segunda de uma série de quatro capítulos e foi produzida pelo The Outlaw Ocean Project, uma organização de jornalismo sem fins lucrativos em Washington. A reportagem e a redação tiveram contribuição de Joe Galvin, Maya Martin, Susan Ryan, Daniel Murphy e Austin Brush. Esta reportagem recebeu apoio do Pulitzer Center.

A organização jornalística The Outlaw Ocean Project investigou durante quatro anos a cadeia de abastecimento mundial de produtos marinhos. Dado que grande parte desses produtos são capturados por navios chineses, a sua frota de pesca em águas distantes foi o foco das investigações.

Na área conhecida como Agujero Azul, a cerca de 500 quilômetros do golfo de San Jorge, na Argentina, e 715 quilômetros ao norte das Ilhas Malvinas, a pesca de lula feita por navios chineses parece uma indústria. Centenas de navios, enormes, concentram seu trabalho num raio de 80 quilômetros.

À noite, quando ocorre a maior parte da pesca de lula, a escuridão se estende em todas as direções. Os navios usam lâmpadas extremamente brilhantes, que podem ser vistas a quilômetros de distância, para atrair os animais à superfície. Passar um tempo em um lugar assim é profundamente desorientador, mas nada é mais impressionante do que as brutais condições de trabalho.

O caminho que levou Fadhil até um navio chinês de pesca de lulas foi, de muitas maneiras, um caminho típico. Como a maioria dos marinheiros, os indonésios que trabalhavam no Wei Yu 18 conseguiram seus empregos por meio das chamadas agências de recrutamento. Essas empresas tomam conta de tudo, desde pagamentos e passagens aéreas até taxas portuárias e passaportes, e prometem uma porta de entrada para uma vida diferente e mais lucrativa.

Quando Fadhil ouviu falar dos empregos pelo boca a boca de sua aldeia, ele e outros indonésios deixaram suas casas em julho de 2018 para ir à capital, Jacarta, onde esperaram por meses até embarcarem no navio.

Nesse meio-tempo, os indonésios assinaram contratos que estipulavam que não haveria pagamento de horas extras nem licença médica e que haveria jornadas de trabalho de 15 a 24 horas, durante seis dias da semana, e um desconto salarial de cerca de R$ 250 pela alimentação.

Se o navio de pesca não estivesse perto de um porto conveniente de repatriamento, os contratos permitiam que os capitães prolongassem a estadia dos marinheiros a bordo indefinidamente. Os salários não seriam pagos mensalmente às famílias, mas integralmente somente após a conclusão do contrato, o que constitui uma prática ilegal na maioria dos países.

Os indonésios também descobriram uma série de descontos salariais. Esses descontos teriam sido vagamente explicados em meio a uma enxurrada de documentos, cálculos muito apressados e termos desconhecidos para eles: “confisco de passaporte”, “taxas devidas”, “ganhos paralelos”. Os contratos dos marinheiros também incluíam cláusulas penais, que diziam que eles poderiam pagar até R$ 5.000 se deixassem o navio antes do vencimento do contrato.

Em 28 de agosto de 2018, Fadhil embarcou no Wei Yu 18 no porto de Busan, na Coreia do Sul, juntando-se a uma tripulação de outros nove indonésios e 20 chineses. O navio enferrujado de casco de aço vermelho e branco viajou por várias semanas até a costa da América do Sul para pescar perto do Peru, depois foi para o sul ao longo da costa do Chile.

Durante sua jornada de 22 meses, o navio fez apenas uma escala portuária, em Punta Arenas, no Chile, e passou o resto do tempo a centenas de quilômetros do continente. Com turnos de 15 a 24 horas, os homens normalmente dormiam durante o dia, uma vez que as noites são melhores para a pesca de lulas, realizada com a ajuda de lâmpadas extremamente brilhantes que atraem as criaturas para a superfície.

No navio, havia quatro homens em cada quarto, e eles dormiam em beliches de madeira com um cobertor por pessoa e colchões de espuma molhados pela umidade, visível também nas paredes. A água que os indonésios bebiam tinha cor de ferrugem e gosto de metal, enquanto seus colegas chineses bebiam água engarrafada. Eles tomavam banho apenas com água salgada.

A violência era comum. Os homens explicaram que o capataz e o capitão batiam em suas cabeças, davam chutes e tapas, geralmente por não entenderem as instruções dadas em chinês, por levarem muito tempo para desembaraçar as linhas de pesca ou por deixarem lulas caírem no convés.

Em agosto de 2019, depois de ficar mais de um ano no mar, o Wei Yu 18 foi acometido por um surto de beribéri, uma doença de fácil prevenção causada pela deficiência de vitamina B1 e frequentemente ligada a dietas com alto consumo de alimentos como arroz. Os dois marinheiros indonésios que contraíram a doença primeiro foram transportados por outro navio pesqueiro até a costa, onde receberam tratamento, recuperaram-se e depois viajaram para casa.

Quando Fadhil adoeceu em setembro, ele e outros marinheiros pediram ao encarregado que o deixasse ir para casa ou para o hospital, mas o pedido foi negado. Uma cópia do contrato de Fadhil indica que o jovem era obrigado a ficar apenas um ano no navio, período que ele já havia concluído. Mas, de acordo com outros marinheiros, o encarregado do Wei Yu 18 disse a Fadhil que ele era obrigado a permanecer dois anos. Fadhil morreu em menos de um mês.

Dois dias após sua morte, o capitão ordenou que o corpo fosse jogado no mar, alegando que tinha a permissão dos pais de Fadhil e despertando a fúria entre os indonésios, que não acreditaram nele. “Que tipo de pai e mãe descartam um filho desse jeito?”, disse o indonésio Ramadhan Sugandhi, que trabalhou junto com Fadhil no navio.

Cerca de dois anos e meio depois da morte de Fadhil, o time de repórteres do The Outlaw Ocean Project encontrou o Wei Yu 18 na área de pesca do Agujero Azul. Pelo rádio, um homem confirmou que tinha sido o capitão do navio na última década, mas se recusou a responder a perguntas sobre Fadhil e não permitiu nenhuma inspeção dentro do navio, alegando preocupações com a Covid-19.

A verdade é que ao subir a bordo do Wei Yu 18, Fadhil havia entrado naquela que pode ser a maior operação marítima que o mundo já conheceu.

Fonte: Folha de São Paulo

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