Porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF) para o mundo árabe, Ella Waweya diz que sua missão é mostrar ao planeta o horror perpetrado pelo grupo terrorista Hamas para que o que ocorreu em Israel no dia 7 de outubro jamais seja esquecido. “Árabes, muçulmanos e cristãos, todos devem lembrar dessa data, porque o que aconteceu aqui foi um massacre como eu jamais vi”, afirma ela à coluna.
A major de 34 anos de idade é a primeira mulher muçulmana e de origem árabe a alcançar o posto de comando em toda a história do Exército israelense. Nascida e criada no vilarejo israelense de Qalansuwa, Waweya se alistou em segredo e manteve suas atividades militares escondidas da família por mais de um ano. Quando descobriu o segredo, a mãe dela chegou a jogar seu uniforme fora. Hoje, diz, tem orgulho da filha.
O combate da major não é diretamente em Gaza, mas nas redes sociais e nos meios de comunicação.
Nesta entrevista exclusiva à coluna, concedida por videoconferência desde Tel Aviv, ela disse se orgulhar do trabalho que tem sido feito pelas forças israelenses e responsabiliza o Hamas pelas mortes de crianças e civis em meio ao confronto que assola a Faixa de Gaza.
Leia, abaixo, os principais trechos do depoimento da major Ella Waweya.
A ONU afirma que o cerco total a Gaza e a transferência forçada da população são violações do direito penal internacional. Bombardeios atingem civis, e o ex-presidente dos EUA Barack Obama afirma que isso pode gerar dificuldades para o apoio a Israel. Qual é o seu sentimento íntimo quando vê esses palestinos sendo mortos, crianças morrendo em prédios desabando?
Estou muito orgulhosa por estar servindo no Exército. As Forças de Defesa de Israel, antes de atacar, ficam o tempo todo avisando os cidadãos de Gaza que eles precisam sair dos lugares que serão atacados.
O Hamas utiliza as pessoas como escudos humanos. É um grupo terrorista que controla a sua população e faz de tudo para que ela não saia de onde está, mesmo sabendo que um ataque está vindo.
Quando entrou em Israel e massacrou as pessoas, o Hamas não deu nenhum aviso. Entrou para matar.
A diferença entre as Forças de Defesa de Israel e o Hamas é que nós carregamos esse código de conduta [mostra um objeto]. Dentro está escrito sobre a honra do ser humano, a vida do ser humano, como se portar em relação ao outro.
Já com o Hamas encontramos, literalmente, instruções escritas de como matar judeus, de como massacrar crianças, de como afiar facas e tirar seus corações.
A gente publicou uma ligação entre um terrorista, que estava aqui em Israel, e seu pai. Ele pega o telefone da pessoa que assassinou, liga para o pai e diz: “Pai, matei com minhas próprias mãos mais de dez judeus. Agora falo com vocês do telefone de uma judia, ela e seu marido foram assassinados por mim.”
As mulheres em Gaza, é preciso entender, criam seus filhos, ficam grávidas durante nove meses. E para que fazem isso? Criam e educam para que depois matem e estuprem pessoas? Tenho 1.000% de certeza que não.
Não há mãe que crie seu filho para que ele seja um assassino ou morra. E nós, como mulheres, não podemos legitimar isso.
Essas mulheres querem um mundo melhor para os seus filhos, e o Hamas impede que isso aconteça.
O 7 DE OUTUBRO
Eu estava voltando de Nova York quando tudo aconteceu. É óbvio que a minha vida mudou, assim como a de todo mundo.
Árabes, muçulmanos e cristãos, todos devem lembrar dessa data, porque o que aconteceu aqui foi um massacre como eu jamais vi. Uma desgraça que não pode ocorrer em nenhum país, nenhuma nação.
A minha missão é passar para o mundo o que aconteceu no dia 7, para que todo o mundo lembre e nunca mais esqueça. O povo judeu não pode passar de novo pelo que houve no passado.
UMA ÁRABE MUÇULMANA NO EXÉRCITO DE ISRAEL
Sou uma árabe muçulmana que chegou ao Exército como voluntária. Como muçulmana, eu não tinha a obrigação de me alistar.
Cresci no vilarejo de Qalansuwa, e para alguns éramos árabes-israelenses. Para outros, palestinos.
Quando completei 16 anos, recebi, como todo israelense, a minha carteira de identidade. Foi aí que tomei uma decisão interior: “Para ser israelense de verdade, preciso me alistar” [pensou]. Era uma questão de identidade.
O Hamas utiliza as pessoas como escudos humanos. Quando entrou em Israel e massacrou as pessoas, não deu nenhum aviso. Entrou para matar
O meu dilema pessoal se acentuou durante a Segunda Intifada, quando tudo o que eu via e ouvia sobre o Exército de Israel, por meio de veículos como a Al Jazeera e outras emissoras árabes, era muito ruim. Não fazia sentido por eu conviver com outras pessoas e ver outra realidade em Israel.
Comecei a pensar: “Quem eu sou?”.
[Havia] uma foto icônica da Segunda Intifada, do jovem Muhammad al-Durrah, de 12 anos, que foi morto e carregado pelo pai [as Forças de Defesa de Israel admitiram ter matado Muhammad, mas o relato foi alterado semanas depois. Em 2013, um comitê criado pelo então primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, concluiu não haver evidências contra as IDF e afirmou que a narrativa tinha viés antissemita. O cinegrafista Talal Abu Rahma, que filmou o assassinato, sustenta até hoje que “a câmera não mente”]. Ela foi muito divulgada na imprensa árabe. Muhammad tinha a minha idade na época.
A DESCOBERTA
Aos 19 anos, eu ainda não sabia que, como muçulmana, podia me alistar no Exército. Comecei a estudar comunicação. Eu queria ser jornalista para mostrar o outro lado de Israel.
Participei de um congresso de jornalismo em Eilat [sul do país]. Um dos participantes de um painel disse que os ultra-religiosos não deveriam servir o Exército, só estudar a Torá [por lei, eles são dispensados do serviço militar].
Lembro até hoje da frase que eu disse: “Que vergonha dizer isso! Se eu, como muçulmana, tivesse a oportunidade, me alistaria”. Eu tinha 21 anos, e todos os presentes me aplaudiram. Vieram me cumprimentar.
Naquele momento eu entendi que sim, podia me alistar, e tomei todas as providências.
Comecei a servir aos 24 anos. Por questões pessoais minhas, não contei nada para a minha família.
“TRAIDORA” DOS ÁRABES
Nem todos os árabes aqui são palestinos. Do lado de minha mãe, meus parentes são egípcios, e do lado de meu pai, sírios. É importante dizer isso.
Não é costume nem algo frequente árabes se alistarem, especialmente mulheres. E se olho em retrospectiva, há 20 anos a situação dos árabes era bem mais primitiva do que hoje. Mesmo quando eu estudava comunicação e morava em Netanya [cidade ao norte de Tel Aviv], a minha decisão de sair de casa e ir para o centro do país foi muito difícil, como mulher e como árabe.
Eu fui a primeira pessoa da minha cidade a entrar no Exército. Era difícil fazer algo diferente do que era um costume para os habitantes de Qalansuwa, fosse você homem ou mulher.
Estudar fora e alistar-se não era comum. Não é como hoje, em que há muitos árabes no Exército e estudando. Na época, especialmente depois da Segunda Intifada, era raro. Fazer o que eu fiz era, praticamente, ser uma traidora.
No primeiro dia [de Exército], todos chegam com seus pais, sobem no ônibus e acenam para eles das janelas. Eu era a única que estava sozinha, sem os familiares. No começo, eu era uma soldada solitária [nome dado àqueles que servem em Israel e não têm a família por perto ou para dar suporte].
Meus pais me perguntavam: “Onde você está? Por que você não vem mais para casa?”. Eu dizia: “Estou estudando e trabalhando”. Não me arrependo daqueles dias nem da minha decisão.
DE CABEÇA ERGUIDA
Minha mãe não aceitou bem [a major conta que sua mãe chegou a jogar seu uniforme militar fora após descobri-lo]. Ela brigou comigo no quarto, para que nem meu pai ouvisse seus gritos.
Hoje, quem pregou essa insígnia de major no meu uniforme foi a minha própria mãe. Se no começo ela se envergonhava, hoje anda na rua de cabeça erguida. E ela mesma me diz: “Continue no Exército até se aposentar, ou até quando você quiser”.
É uma guerra, mas a gente faz de tudo para evitar que vidas sejam perdidas dos dois lados
Até quatro ou cinco anos atrás, minha mãe ainda dizia para as amigas que eu era uma jornalista militar, para dar uma “amenizada” no que eu fazia. Hoje, ela fala com orgulho que eu sou major e capitã de uma unidade do Exército de Israel.
Algumas pessoas talvez não me viram com bons olhos, mas eu abri portas na minha cidade para que seguissem meus passos. Hoje, em Qalansuwa, há muitas pessoas que se alistaram. Um deles já foi o meu professor de física. Eu me orgulho muito de ter sido seguida por algumas pessoas da minha cidade e da minha região.
Se houve um tempo em que eu não usava meu uniforme quando voltava para casa, agora uso de cabeça erguida.
EU, PORTA-VOZ
No Twitter, no Instagram e em outras plataformas eu recebo muita solidariedade. Mas claro que há críticas. Depende muito de qual parte do mundo árabe estamos falando, ele é muito grande. Da Argélia, eu recebo um apoio muito grande.
A maioria das pessoas com as quais falo nas redes nunca estiveram em Israel. Portanto, a minha meta hoje, e a de vocês como jornalistas também deveria ser, é mostrar a verdade sobre as Forças de Defesa de Israel e o Estado de Israel. Assim as pessoas vão conhecer a verdade sobre Israel e seu Exército.
Tradução de Ayala Kalnicki Band