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Portugal cria mais um órgão para ‘avalanche’ de migrantes – 30/10/2023 – Mundo

Portugal acaba de concluir uma reestruturação completa de seus órgãos migratórios em meio a níveis recordes de imigração —o que inclui um aumento de mais de 383% desde 2016 no número de brasileiros no país europeu.

No último domingo (29), saiu de cena o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que concentrava atividades policiais, de controle fronteiriço e de atendimento documental aos migrantes. Em seu lugar, passou a funcionar a recém-criada Aima (Agência de Integração, Migrações e Asilo), voltada à documentação e à inserção de quem vem de fora na sociedade portuguesa —as demais funções do SEF foram redistribuídas entre as forças policiais lusas.

Em seu primeiro dia, a nova entidade herdou pelo menos 347 mil processos de regularização pendentes do antecessor. Diretor da Aima, Luís Goes Pinheiro reconhece as dificuldades do sistema, cada vez mais pressionado pelo ritmo crescente de chegada de estrangeiros. Ele afirma, porém, que a entidade trabalhará para zerar a fila em até um ano e meio —atualmente, o tempo para regularização de imigrantes costuma passar de dois anos.

“Resolver problemas perante este nível de pressão e de procura implica sempre em se reinventar e tomar decisões de emergência. Isso acontecerá todos os dias nesta fase inicial, que pode durar vários meses”, disse Pinheiro nesta segunda-feira (30). “A procura é de tal forma grande, que podemos falar verdadeiramente de uma avalanche documental.”

A alta demanda soma-se à falta de recursos humanos —são 740 funcionários para uma população de quase 1 milhão de imigrantes— e ainda a um sistema de tecnologia obsoleto que contribui para a morosidade dos processos. Além do compromisso de contratar mais 190 servidores para a agência, Pinheiro destacou a necessidade de haver um “choque tecnológico muito acelerado” para otimizar a infraestrutura do órgão.

Essa etapa deve começar ainda neste ano e inclui, por exemplo, a possibilidade de fazer agendamentos pela internet. Atualmente, tudo é feito por telefone, o que gerou episódios como o acúmulo de quase 30 milhões de ligações em 12 horas.

Ainda que a maior parte da fila seja composta por pessoas que entraram em Portugal como turistas, mas decidiram permanecer para trabalhar e viver sem a documentação adequada, há ainda outras situações, como casos de refugiados, de familiares de cidadãos portugueses e de estrangeiros com residência legal.

Sem a documentação adequada, os estrangeiros podem enfrentar restrições no acesso ao sistema de saúde e de benefícios sociais, além de terem comprometida a liberdade de circulação fora do território português.

Em nota, o Ministério dos Assuntos Parlamentares, que tem a tutela sobre a imigração, diz que irá realizar “uma megaoperação de recuperação das pendências” no primeiro trimestre de 2024. A pasta também promete ampliar a presença física da Aima com a abertura de novos postos de atendimento em todo o país.

“Nós vemos a criação da agência como algo positivo, sobretudo com a separação do serviço administrativo das pessoas migrantes do aparato policial. Isso era uma luta antiga das associações. É muito significativo um imigrante não ter mais de tratar dos seus documentos com a polícia”, afirma Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, ONG que auxilia a comunidade brasileira.

Segundo ela, porém, a criação do novo órgão não teve qualquer diálogo com representantes das associações, que lidam diretamente com a realidade dos migrantes. “Essa fusão também começa com muitas pontas soltas, com muita desinformação e mesmo falta de informação. Tanto para as organizações que trabalham no terreno quanto para as próprias pessoas migrantes.”

Por enquanto, o site da Aima só traz informações sobre a criação e a estrutura da própria agência. Áreas dedicadas às explicações sobre documentação, emprego e estudo em Portugal têm apenas a indicação de que serão preenchidas “em breve”.

A falta de informação também tem deixado apreensivos os imigrantes que estão com seus processos em andamento, uma vez que não ficou claro como será a nova plataforma de atendimento. “Temos orientado as pessoas a terem calma. Os processos vão ser analisados, mas não sabemos como nem quando. Nós esperamos que seja em breve, porque no fundo também a Aima surge para resolver essa questão estrutural dos últimos anos, que é de completo desrespeito à vida das pessoas”, diz Cyntia.

Para tentar agilizar a fila de pedidos de regularização —e diminuir o passivo para a nova estrutura migratória— o governo luso implementou, ao abrigo do acordo de mobilidade da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), a concessão de autorização de residência automática para cidadãos de nações do bloco.

Graças ao mecanismo, desde março, já houve mais de 140 mil documentos emitidos. Os brasileiros fizeram 74,5% do total de pedidos, tendo já mais de 104 mil cidadãos com a situação migratória regularizada ao abrigo do novo documento.

A regularização em massa —que beneficiou principalmente quem estava em Portugal havia mais de um ano— fez o número de brasileiros legalmente residentes no país ibérico atingir o valor mais elevado da série histórica: 393 mil pessoas, o que representa um aumento de 63,9% em relação ao ano anterior.

O documento da CPLP —uma folha de papel, sem foto, apenas com as informações dos migrantes— não está, contudo, em conformidade com os padrões definidos pelas autoridades europeias para viagens no espaço Schengen, área de livre circulação na Europa.

A situação gerou, no começo de outubro, uma queixa formal da Comissão Europeia contra Portugal. O caso ainda está sendo analisado pelas autoridades.

Com uma população envelhecida e baixa natalidade, Portugal tem apostado cada vez mais na imigração como forma de manter a sustentabilidade demográfica. Nos últimos anos, o país investiu na criação de novos vistos e na ampliação da possibilidade de regularização para quem já se encontrava no país.

A maior presença de estrangeiros reforçou as críticas à operação do SEF. Embora a extinção do órgão estivesse presente no programa de governo do Partido Socialista, que comanda o país desde 2015, os procedimentos só avançaram após um cidadão ucraniano morrer no aeroporto de Lisboa. O caso aconteceu em março de 2020, mas só foi amplamente divulgado no fim daquele ano.

Ihor Homenyuk, 40, morreu após ser espancado no centro de detenção temporária do terminal, a famosa “salinha da imigração” aonde são levados suspeitos de tentar entrar irregularmente no país. O episódio desencadeou uma série de denúncias de abusos contra agentes do SEF e ajudou a selar o destino da entidade.Três agentes do SEF foram posteriormente condenados pelo crime.

Fonte: Folha de São Paulo

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