Lucía respira aliviada quando vê o caminhão-tanque azul virar a esquina. “Graças a Deus”, solta, relaxando os braços que há pelo menos dez minutos balançava no ar em movimento de seta. Ela já não aguentava mais repetir aos motoristas o endereço do único posto das redondezas que ainda tinha gasolina na tarde desta segunda (30).
A frentista, que preferiu não dizer o sobrenome, trabalha em uma estação no bairro de Palermo, um dos mais caros e turísticos de Buenos Aires. Às vésperas das eleições, a Argentina vive uma crise de escassez de combustível que já dura quatro dias e tornou duas cenas comuns em todo o país: postos fechados ou motoristas entediados em longas filas que se estendem pelos quarteirões.
O motorista Jose Garcia, 72, deu “sorte”. Viu o tal caminhão passar na rua de trás, resolveu segui-lo e, mesmo que ainda fosse demorar uma hora para abastecer as bombas, preferiu estacionar e esperar. “É melhor do que rodar e rodar tentando encontrar outro”, justifica, enquanto manobra ao lado do posto.
Ele roda 200 km por dia fazendo o transporte de crianças com deficiência, mas na sexta-feira (27), quando o desabastecimento começou, teve que trabalhar com o que tinha no tanque porque não se achava gasolina em nenhum lugar. No fim de semana, achar um carro de aplicativo ou um táxi podia levar até 20 minutos.
“Está parecendo a Venezuela”, compara o motorista de Uber Ramon Eduardo, 44, que migrou à Argentina há cerca de cinco anos com a piora na crise em seu país, onde pondera que a situação é muito mais grave, com preços impraticáveis e gasolina adulterada. “A frentista me disse que era para ter chegado dois caminhões, mas só chegou um”, afirma ele, que contou cerca de 40 carros na fila.
Ainda não há previsão de quando a situação vai se normalizar, mas a expectativa é que não demore muito. As refinadoras de petróleo YPF (estatal), Raízen (ligada à Shell), Trafigura (Puma) e Axion divulgaram uma nota conjunta no sábado (28) dizendo que o abastecimento interno iria se reestabelecendo nos próximos dias.
Segundo elas, o principal motivo para a crise foi uma explosão da demanda, especialmente nas últimas duas semanas, causada por um feriado, viagens para as eleições do último dia 22 e o início do período de plantio no campo, setor que consome um terço do diesel do país, segundo a Sociedade Rural Argentina (SRA).
Mas de acordo com especialistas há um conjunto de fatores que levaram a essa situação, todos relacionados à instabilidade política e econômica que a Argentina sofre. Por isso, a questão gerou uma troca de acusações dos lados do ministro da Economia Sergio Massa e do ultraliberal Javier Milei, que em três semanas disputarão o segundo turno.