Quando o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pediu ao primeiro-ministro do Qatar para “baixar o tom” da cobertura da Al Jazeera em Gaza, ele se referia ao canal de notícias em árabe.
No mesmo dia em que saiu a notícia, na quarta (25), o principal jornalista da cobertura, Wael Al-Dahdouh, perdeu a família, mulher e três filhos, num ataque israelense a Gaza. No ano passado, outra jornalista palestina da Al Jazeera, Shireen Abu Akleh, foi morta por um soldado israelense, na Cisjordânia.
Criado em 1996 pelo emir Hamad bin Khalifa Al Thani, pai do atual líder do país, o canal se popularizou no Ocidente com a cobertura —contrastante com a dos veículos ocidentais— das invasões do Afeganistão e do Iraque. Neste, outro jornalista palestino, Tareq Ayyoub, foi morto quando um avião americano disparou contra o escritório da emissora em Bagdá.
O vínculo do canal com a Palestina vem dos profissionais contratados desde o princípio, vários deles de uma emissora da BBC na Arábia Saudita que não deu certo, mas antes de mais nada vem do próprio emir, Tamim bin Hamad al-Thani . Em 2012, por exemplo, ele rompeu o isolamento internacional de Gaza ao visitar o território. Mas o fez com autorização dos Estados Unidos, segundo o embaixador qatari em artigo publicado no The Wall Street Journal desta segunda (30). “O escritório político do Hamas no Qatar foi inaugurado em 2012, após um pedido de Washington para estabelecer linhas indiretas de comunicação com o Hamas”, escreve o diplomata.
“O escritório tem sido frequentemente utilizado em esforços de mediação, ajudando a acalmar conflitos em Israel e nos territórios palestinos”, acrescenta. Foi através dele que o país mediou a libertação de quatro reféns, na semana passada, e continua negociando em meio à invasão.
O papel do Qatar na guerra Israel-Hamas foi elogiado publicamente por Blinken e até pelo assessor de segurança nacional de Israel, Tzahi Hanegbi, este dizendo que seus “esforços diplomáticos são cruciais neste momento”.
O país busca há décadas se apresentar como intermediário ativo, mantendo tanto o escritório do Taleban, quando no exílio, como a maior base militar dos EUA no Oriente Médio —e outra da Turquia. O esforço malsucedido de Lula em 2010, de intermediação de um acordo para romper o isolamento do Irã, passou pelo Qatar.
A riqueza do país, quarto PIB per capita no mundo, vem da reserva de gás que divide com o Irã. Gás do qual a Alemanha e boa parte da Europa passaram a depender —junto com o americano— quando sancionaram a Rússia. Meses atrás, o emirado fechou um contrato com a China para o fornecimento de gás pelos próximos 27 anos.
Em grande parte, a busca do papel de mediador é uma estratégia de defesa econômica, visando salvaguardar suas exportações, que passam pelo Estreio de Ormuz. Caso a guerra alcance o Irã, ele poderia até ser fechado. Mas o Qatar foi além das suas forças, ao menos uma vez.
Desde os primeiros anos da Al Jazeera, o país enfrenta pressão externa, sobretudo por parte dos vizinhos e, em especial, da Arábia Saudita, que criou até um concorrente, a Al Arabyia, sem alcançar a mesma penetração.
Sua cobertura da Primavera Árabe, principalmente dos acontecimentos no Egito a partir de 2011, fez crescerem as acusações de agir em favor de organizações próximas do emirado, como a Irmandade Muçulmana.
Em 2017, Arábia Saudita, Egito e outros romperam relações diplomáticas com o Qatar, só retomadas em 2021. Por quase três anos, mesmo com a base americana, o Qatar enfrentou embargo e até ameaça de invasão.