O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, anunciou nesta quinta-feira (23) a maior ampliação do Brics (bloco hoje formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) desde a criação do bloco em 2009. Foram convidados a ingressar Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia.
A nova composição é resultado de uma intensa negociação que dominou a cúpula do bloco em Joanesburgo. Participaram da série de reuniões na capital financeira da África do Sul o presidente Lula (PT) e os líderes Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia) e Ramaphosa.
Vladimir Putin, da Rússia, participou virtualmente. Ele não viajou a Joanesburgo devido a um mandado de prisão emitido pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) por supostos crimes de guerra cometidos na Ucrânia. A África do Sul é signatária do tratado que criou a corte e, em tese, seria obrigada a prender o líder russo caso ele desembarcasse em território sul-africano.
Nas negociações sobre a expansão, a China atuou para abrir o Brics a praticamente todos os países que manifestaram interesse em entrar. Nessa demanda, Pequim teve apoio da Rússia e da África do Sul. Brasil e Índia, do outro lado, defenderam uma expansão controlada, sob o argumento de que era preciso estabelecer critérios para a escolha das nações que seriam admitidas.
Para concordar com a ampliação, o principal esforço da diplomacia brasileira foi tentar arrancar algum tipo de compromisso da China de apoio à reforma do Conselho de Segurança da ONU. Pequim resiste a endossar mudanças no colegiado porque tem adversários regionais entre os candidatos: o Japão e a própria Índia.
De acordo com pessoas que acompanharam as negociações, o Brasil conseguiu um progresso dos chineses. Nesse sentido, a declaração final da cúpula deve trazer reconhecimento às aspirações legítimas de países do Brics à reforma do conselho.
Interlocutores dizem que a linguagem do documento final deve representar um avanço em relação ao que Pequim aceitava subscrever até então. Nas reuniões anteriores do Brics, as declarações se limitavam a dizer: “China e Rússia reiteram a importância que atribuem ao status e ao papel do Brasil, da Índia e da África do Sul nos assuntos internacionais e apoiam sua aspiração de desempenhar um papel mais importante na ONU”.
No total, mais de 20 países manifestaram oficialmente interesse em fazer parte do Brics. A lista inclui, entre outros, Argélia, Bangladesh, Belarus, Cuba, Marrocos, Nigéria e Venezuela.
Os atuais sócios trabalharam nos últimos dias em uma lista de candidatos fortes, que incluísse nomes aceitáveis para todos. Além das cinco nações que devem ser convidadas, a lista de candidatos fortes tinha também a Indonésia. Esta, no entanto, comunicou o governo da África do Sul —que ocupa a presidência rotativa da aliança— que não vai entrar neste momento. Um dos argumentos levantados pelos indonésios é que atualmente eles ocupam a presidência da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático), e que por isso seria melhor esperar ocasião mais oportuna.
Havia uma preocupação do Brasil em evitar que o novo Brics se tornasse uma espécie de fórum internacional contra os Estados Unidos e o G7, o grupo das economias mais industrializadas do globo. A avaliação é que esse era o objetivo da China ao patrocinar uma expansão que incluísse adversários históricos dos americanos, como Venezuela e Cuba.
O próprio Lula manifestou essa preocupação e disse, na terça (22), que o Brics não pretende ser um bloco antagônico. “A gente não quer ser contraponto ao G7 ou ao G20, nem aos Estados Unidos. A gente quer se organizar. A gente quer criar uma coisa que nunca teve, que nunca existiu. O Sul Global… Nós sempre fomos tratados como se fôssemos a parte pobre do planeta, como se não existíssemos. Nós sempre fomos tratados como se fôssemos de segunda categoria. E de repente a gente está percebendo que podemos nos transformar em países importantes”, declarou Lula, durante uma live.
Se por um lado a ampliação foi menor do que a desejada por Pequim, a entrada do Irã deve sim reforçar o componente antiamericano do grupo. O país teve seu ingresso patrocinado principalmente por China e Rússia. Lula, por sua vez, já defendeu a entrada da Argentina e da Arábia Saudita no Brics.
Outra linha que vinha sendo defendida pelo Brasil era a necessidade de adoção de critérios claros para o crescimento do bloco. No entanto, Celso Amorim, assessor especial de Lula para política externa, deu declarações na quarta que foram na contramão do discurso oficial adotado por autoridades brasileiras.
“Esse negócio de critérios, sabe… Você escolhe os países e aí depois você define os critérios”, afirmou o ex-chanceler. “Os países que estão colocados ali. Não vou dizer que é um critério absoluto, mas é natural que você procure algum equilíbrio geográfico. Países que representem uma certa diversidade, mas o Brasil não tem problema com nenhum dos nomes que estão colocados”.
Houve outros temas nas negociações que esbarraram em divergências entre os atuais membros do Brics. Um deles foi o compromisso político com medidas de desdolarização do comércio exterior e de adoção de moedas de referência diferentes da divisa americana.
Rússia e China —que enfrentam sanções dos EUA— foram as defensoras de uma linguagem mais ousada em relação ao tema. A mais resistente foi a Índia, que tem se aproximado dos EUA e vê na China uma rival.