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Argentina: eleitores de Bullrich ficam entre Massa e Milei – 27/10/2023 – Mundo

A tarde tranquila com moradores passeando com seus cachorros, crianças brincando e idosos vendo a vida passar nos bancos de uma praça no região da Recoleta, um dos bairros mais ricos e turísticos de Buenos Aires, esconde um clima de decepção depois das eleições do último domingo (22) na Argentina.

Ainda está difícil digerir a votação que colocou o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei no segundo turno, nessa ordem, e deixou de fora a opositora Patricia Bullrich. A região é um bastião do PRO, partido do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) que representa a centro-direita ou direita tradicional do país.

Foi onde a candidata linha-dura obteve seu melhor resultado: 58% dos votos, contra 20% do ministro da Economia e 18% do libertário, muito acima do que ela obteve na média do país (24%). Uma das grandes questões a partir de agora é para que lado vão seus apoiadores em 19 de novembro, em geral mais velhos e mais religiosos.

A aposentada Josefina Peña, 77, diz estar numa “encruzilhada” ou em um “ponto cego”. “Agora não sei o que vamos fazer, estou achando que não vamos votar”, diz ao lado do marido. Ela está zangada com Bullrich, que passadas 72 horas das eleições deu um abraço em Milei e disse que o perdoava por todas as vezes em que ele a insultou de “montonera [guerrilheira] assassina”.

Na quarta (25) ela e Macri anunciaram apoio ao ultraliberal sem conversar com outras lideranças, o que gerou uma crise dentro da coalizão Juntos pela Mudança. Desde que ficou em segundo lugar, Milei deu um forte giro em seu discurso, indicou que Bullrich poderia ser sua ministra da Segurança e acenou até à esquerda.

Josefina diz não ter votado no ultraliberal no primeiro turno porque não o conhece e porque “ele diz, desdiz e fala barbaridades”, apesar de todos os seus netos de 25 a 32 anos o apoiarem. Católica, ela também não gostou da maneira como ele já atacou o papa Francisco, chamando-o de “representante do mal na Terra”.

Mas ela tampouco está de acordo com a situação atual do país. “O dólar lá no alto, essa inflação… Nós graças a Deus estamos bem, mas ontem fomos à província [de Buenos Aires] e é uma pobreza. Você tem que escolher o que vai comprar no mercado, se vai comprar um pimentão, uma cebola, outra coisa.”

Já a nutricionista e bióloga Jessica, 50, que não quis dizer o sobrenome, agora vai optar por Milei porque acha que “ele é um cara preparado. Só tem que controlar o seu entorno e se rodear de pessoas que tenham experiência, não de qualquer improvisado”, afirma, levando seu cachorro para um passeio.

Para ela, a escolha agora é entre continuidade e mudança, e a continuidade não é uma opção. “Tem que ser linha-dura: crianças na escola, sem greves nas ruas. Aconteça o que acontecer, tem que ter mão firme, e não negociar, como a maioria faz. Eu tenho três filhos e digo: estudem e vão embora. Eu adoraria ir, mas não posso”, diz.

“O trem da mudança está partindo, e a gente vai subir nele”, reforça sua amiga ao lado que não quis se identificar, pedindo para que a repórter tome cuidado com a bolsa porque “está um perigo”. Para ela, Bullrich foi muito inteligente e valente para ter aceitado todos os insultos de Milei e é uma mulher que merece apoio.

Jessica, que morou muitos anos no Brasil, fala ainda em possibilidade de fraude eleitoral —tese disseminada entre grupos libertários sem base em qualquer evidência. Ela é a favor da livre posse de armas já defendida por Milei e diz que “tem muita gente acostumada com planos sociais na Argentina. Mas trabalho há, porque olha o tanto de venezuelanos que está trabalhando”.

O desenvolvedor de software Gustavo Carmona, 49, também vai votar no ultraliberal, mas diz não acreditar que os eleitores de Bullrich vão todos para o seu lado. Além disso, repete que houve e haverá fraude na votação.

“Ele a insultou muito, falou do papa, falou contra os jornalistas, falou contra os radicais [tradicional força de centro-esquerda e esquerda que agora rompeu com a coalizão de Macri]. Os que estão mais informados sabem que já terminou, que vai ganhar Massa, porque tem a vantagem de poder fazer artimanhas”, diz, reproduzindo a teoria da conspiração.

Em relação aos radicais, ele se refere ao dia em que Milei afirmou que comprou um boneco usado em treinos de boxe e colocou uma máscara de Raúl Alfonsín, o ex-presidente que assumiu a transição da ditadura para a democracia da Argentina há 40 anos, para lhe dar socos, chamando-o de “fracassado hiperinflacionário”.

“As pessoas apoiaram Milei porque ele não era político, atacava todo mundo, não tinha problema com ninguém. O problema é quando você não ganha no primeiro turno. Agora, como fazer para que todas as pessoas que você agrediu até aqui te ajudem?”, questiona Carmona.

“Ele tinha que ter falado só de duas coisas: dolarizar para acabar com a inflação e melhorar o apoio às forças de segurança. E pressionar a Justiça, porque 90% dos problemas da Argentina são as pessoas que saem da prisão, que em vez de cumprir nove anos, cumprem um”, argumenta.

Fonte: Folha de São Paulo

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