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Últimos dias do regime de Assad tiveram decepção e traição – 23/12/2024 – Mundo

À medida que os rebeldes avançavam em direção à capital síria de Damasco em 7 de dezembro, a equipe no Palácio Presidencial no topo da colina se preparava para um discurso que esperavam que levasse a um fim pacífico para a guerra civil de 13 anos.

Os assessores do presidente Bashar al-Assad estavam pensando em ideias de mensagens. Uma equipe de filmagem havia montado câmeras e luzes nas proximidades. A estação de televisão estatal da Síria estava pronta para transmitir o produto final: um discurso de Assad anunciando um plano para compartilhar o poder com membros da oposição política, de acordo com três pessoas envolvidas na preparação.

Trabalhando no palácio, Assad, que havia usado o medo e a força para manter seu governo autoritário sobre a Síria por mais de duas décadas, não demonstrava nenhum sinal de alarme para sua equipe, de acordo com um informante do palácio cujo escritório ficava perto do presidente.

As defesas da capital haviam sido reforçadas, disseram aos assessores de Assad, incluindo a poderosa 4ª Divisão Blindada do exército sírio, liderada pelo irmão do presidente, Maher Assad, disse o informante.

Todos haviam sido enganados.

Após o anoitecer, o presidente escapou da capital, voando secretamente para uma base militar russa no norte da Síria e depois em um jato russo para Moscou, de acordo com seis governos do Oriente Médio e oficiais de segurança.

Maher al-Assad fugiu separadamente naquela noite com outros oficiais militares de alto escalão pelo deserto até o Iraque, de acordo com dois oficiais iraquianos. Sua localização atual permanece desconhecida.

Bashar al-Assad deixou seu país de forma tão secreta que alguns de seus assessores permaneceram no palácio horas depois de sua partida, aguardando por um discurso que nunca aconteceu, disse o informante. Após a meia-noite, a notícia chegou de que o presidente havia ido embora, e eles fugiram em pânico, deixando os portões do palácio abertos para os rebeldes que invadiriam algumas horas depois.

A queda de Assad pôs fim abrupto ao controle autoritário de sua família sobre a Síria por 50 anos, causando jubilação entre suas vítimas e inimigos, alterando o mapa estratégico do Oriente Médio e colocando a Síria em uma nova e incerta trajetória.

Durante seus últimos dias no poder, Assad implorou por ajuda militar estrangeira da Rússia, Irã e Iraque sem sucesso, enquanto o serviço de inteligência militar de seu próprio exército documentava em tempo real o colapso de suas forças, de acordo com relatórios secretos revisados pelo The New York Times.

Diplomatas de meia dúzia de países buscaram maneiras de retirá-lo do poder pacificamente para poupar a antiga cidade de Damasco de uma batalha sangrenta pelo controle, de acordo com quatro autoridades regionais envolvidas nas negociações. Uma proposta, disse um oficial, era que ele transferisse o poder para seu chefe militar, efetivamente se submetendo a um golpe.

O relato da queda de Assad, grande parte do qual não foi relatado anteriormente, é baseado em entrevistas com autoridades sírias, iranianas, iraquianas e turcas; diplomatas baseados em Damasco; bem como associados de Assad e rebeldes que participaram de sua deposição. Muitos deles falaram sob condição de anonimato, citando protocolos diplomáticos ou medo de retaliação dos remanescentes do antigo regime — ou dos rebeldes que o derrubaram.

Agora os rebeldes guardam o Palácio Presidencial. A casa de Assad foi saqueada por ladrões. E os sírios que permaneceram leais a ele ao longo dos anos de guerra civil estão furiosos por ele ter partido sem dizer uma palavra, abandonando-os ao destino.

“Por sua própria segurança pessoal, você sacrificou todo o seu povo?”, disse o informante do palácio, que mal escapou antes da chegada dos rebeldes.

Escondido dos novos mestres da Síria longe de Damasco, ele ainda estava lutando para entender a fuga repentina de Assad. “É uma traição que não consigo acreditar”, disse ele.

Por 13 anos, Assad lutou uma brutal guerra civil contra grupos armados que buscavam sua deposição. O conflito devastou o país, matando mais de meio milhhão de pessoas e criando milhões de refugiados. O Irã e seu aliado, o grupo libanês Hezbollah, apoiaram suas tropas, e a Rússia enviou caças cujos ataques aéreos devastaram comunidades rebeldes.

Por volta de 2020, a guerra parecia ter se estabilizado. A economia da Síria estava arrasada, e grande parte de seu território estava fora do controle de Assad. Ainda assim, ele permanecia no poder e estava trabalhando ultimamente para se livrar de seu status de pária internacional.

“A vida estava normal, e todos estavam olhando para o futuro”, lembrou o informante do palácio, que trabalhou no corredor ao lado de Assad por muitos anos.

Em 30 de novembro, uma coalizão rebelde liderada pelo Hayat Tahrir al-Sham, um grupo islâmico com raízes na al-Qaeda, tomou a cidade norte de Aleppo, na Síria, um importante centro econômico, chocando pessoas em todo o Oriente Médio. Assad voltou correndo para Damasco e encontrou sua equipe inquieta, lembrou o informante do palácio, embora ninguém achasse que a capital estava vulnerável.

Ciente de que seu exército havia sido desgastado por anos de batalha, Assad buscou ajuda dos poderes estrangeiros que o haviam ajudado antes. Em Teerã, no Irã, comandantes sêniores da Guarda Revolucionária do Irã realizaram reuniões de emergência para explorar maneiras de ajudar Assad, de acordo com três autoridades iranianas, incluindo dois membros da Guarda Revolucionária. Dois dias após a queda de Aleppo, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, viajou para lá, reforçando publicamente que Damasco estava estável. Câmeras de televisão o filmaram posando para fotografias com famílias na rua e comendo em um restaurante de shawarma popular com seu homólogo sírio. Ele prometeu à mídia iraniana que o Irã permaneceria ao lado de Assad até o fim.

As opções do Irã eram limitadas.

Durante toda a guerra na Síria, o Irã havia fornecido grande ajuda militar para ajudar Assad, enviando seus próprios comandantes e combatentes da Guarda Revolucionária, bem como comandos do Hezbollah e combatentes de muitos outros países. Mas o Hezbollah havia acabado de sair de sua própria guerra, com Israel, gravemente ferido. Israel havia matado ou ferido milhares de seus combatentes, destruído grande parte de seus munições e matado a maioria de seus principais líderes. Israel também havia ameaçado aeronaves iranianas indo para a Síria e qualquer mobilização de forças terrestres lá, deixando o Irã sem uma maneira prática de apoiar Assad.

Araghchi disse à mídia estatal que encontrou Assad confuso e irritado por seu exército ter falhado em manter Aleppo, dizendo que o presidente sírio “não tinha uma leitura precisa da situação”. Assad lhe disse em particular, de acordo com dois funcionários iranianos, que seus generais descreveram a retirada de suas forças como uma manobra tática para fortalecer a defesa de Damasco.

Outro grande defensor de Assad era o presidente Vladimir Putin da Rússia. A Rússia mantinha uma base militar no norte da Síria e uma base naval na costa do Mediterrâneo em Tartus, o que permitia a Putin projetar poder longe de Moscou.

Putin veio em socorro de Assad durante a Guerra na Síria em 2015, com o exército russo dominando os rebeldes. Ele tentou intermediar uma reconciliação entre Assad e o presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia, que há muito tempo apoiava os rebeldes, mas o esforço não progrediu.

Nos primeiros dias do avanço dos rebeldes após a queda de Aleppo, Assad sentiu um repentino arrefecimento em seu relacionamento com Putin, disse um informante do palácio e um oficial turco: o líder russo parou de atender suas ligações.

‘Sem Plano de Luta’

Após tomar Aleppo, os rebeldes continuaram ao sul e tomaram o reduto de Assad em Hama, na Síria, em outro choque repentino para o regime.

A rápida marcha dos rebeldes revelou a profunda deterioração dentro do exército de Assad. A angústia econômica e as sanções punitivas haviam esvaziado a moeda da Síria, reduzindo os salários dos soldados para menos de US$30 por mês. Tantos haviam sido mortos que o exército dependia muito de recrutas, que eram mal alimentados e equipados com equipamentos desatualizados.

Os rebeldes, também, em sua maioria carregavam armas leves. Mas tinham uma grande vantagem, drones, que usavam para atacar centros de comando, dispersando os soldados do regime. Relatórios de inteligência militar síria, revisados pelo Times, descreviam ataques incessantes de drones em todo o país que as forças de Assad não tinham como contra-atacar. Muitos dos drones decolavam de um campo na província de Idlib, controlada pelos rebeldes, no noroeste, ao lado de um depósito que abrigava pelo menos 200 deles, dizia um relatório.

Em Teerã, comandantes militares disseram ao líder supremo, Aiatolá Ali Khamenei, que os rebeldes estavam avançando rápido demais para o Irã ajudar, de acordo com quatro autoridades iranianas.

Chocado, Khamenei enviou um alto conselheiro, Ali Larijani, em uma viagem secreta a Damasco para dizer a Assad para ganhar tempo prometendo reformas políticas e um novo governo que incluiria membros da oposição, de acordo com quatro autoridades iranianas. Larijani também discutiu o tema da deserção, levantando a possibilidade de Teerã ou Moscou.

Percebendo que a Rússia não o salvaria e que o Irã não poderia, Assad enviou seu ministro das Relações Exteriores a Bagdá. Ele disse ao primeiro-ministro iraquiano, Mohammed Shia al-Sudani, que a queda de Assad colocaria o Iraque em perigo, de acordo com três autoridades regionais com conhecimento das conversas. Ele implorou por apoio militar iraquiano, mas os principais líderes do país – o primeiro-ministro, o presidente e o presidente do parlamento – todos se recusaram.

Publicamente, autoridades iranianas pediram por uma solução diplomática. Mas autoridades em Teerã haviam concluído que Assad não sobreviveria, de acordo com seis autoridades iranianas, e o Irã começou a retirar silenciosamente seu pessoal diplomático e militar de Damasco.

“Nos disseram que os rebeldes chegarão a Damasco até sábado e não há plano de luta”, dizia um memorando interno da Guarda Revolucionária visto pelo Times. “O povo da Síria e o exército não estão preparados para outra guerra. Acabou.”

‘Ninguém Sabia de Nada’

O pânico tomou conta de Damasco quando o sol nasceu em 7 de dezembro. Durante a noite, os rebeldes avançaram em direção a Homs, a terceira maior cidade da Síria e o último grande centro urbano entre os rebeldes e a capital. Os moradores correram para as lojas para estocar comida, caso batalhas nas ruas os prendessem em casa. Outros abasteceram seus carros e fugiram da cidade.

Dentro do exército, estava ficando claro que as forças de Assad estavam falhando, de acordo com dezenas de relatórios de inteligência militar em 6 e 7 de dezembro, que foram revisados pelo Times.

As forças estavam sobrecarregadas, disseram eles. Rebeldes disfarçados com uniformes do exército estavam se aproximando de Homs em carros adornados com retratos de Assad, e outros grupos armados haviam tomado postos de controle do exército em Daraa, ao sul de Damasco. Um memorando dizia que os soldados haviam deixado para trás veículos blindados e armas que os rebeldes haviam reivindicado.

“Eles estão planejando controlar toda a região sul e depois seguir para a capital”, dizia outro relatório. “Isso acontecerá dentro de algumas horas.”

O senso de alarme não havia chegado ao Palácio Presidencial, lembrou o informante. Assad e sua equipe estavam em seus escritórios, tentando gerenciar uma crise cuja gravidade não compreendiam.

“As pessoas ainda estavam elaborando cenários”, disse ele, “e a ideia de Damasco cair não foi sugerida por ninguém.”

A equipe do palácio passou o dia esperando pelo discurso que Assad deveria gravar, esperando que de alguma forma isso impedisse o avanço dos rebeldes.

“Havia muitas pessoas no palácio que diziam que era hora dele aparecer, apoiar o exército, tranquilizar as pessoas”, disse o informante.

Mas a filmagem continuava sendo adiada sem explicação. Ao anoitecer, a equipe já não tinha certeza de onde Assad estava, disse o informante.

Do outro lado do Oriente Médio, em Doha, Catar, muitos dos principais líderes da região se reuniram para tentar encontrar uma maneira de evitar que a situação na Síria escalasse ainda mais. Muitos dos países representados odiavam Assad, mas haviam aceitado que ele sobrevivera à guerra, e não confiavam que os rebeldes pudessem manter a Síria unida.

Entre os oficiais reunidos, de cinco países árabes mais Turquia, Rússia e Irã, muitos haviam concluído que era tarde demais para Assad, de acordo com três oficiais de países diferentes que estavam presentes.

Naquela noite, os rebeldes entraram em Homs, exacerbando os temores de que Damasco fosse o próximo.

“Depois que Homs caiu, tudo ficou muito tenso, e ninguém sabia de nada – nem no palácio nem fora do palácio”, disse o informante.

‘Queimem tudo’

Enquanto Assad tinha sua escolha de palácios para usar para negócios oficiais, ele vivia com sua esposa e três filhos em uma vila modernista de quatro andares cercada por palmeiras e fontes no bairro de luxo de al-Maliki, em Damasco.

Depois que ele se foi, seus vizinhos disseram que viver perto dele era um incômodo. Soldados bloqueavam o acesso à rua e interrogavam visitantes, disseram eles. Instalar uma nova antena parabólica ou ar-condicionado exigia negociações complicadas com o serviço de inteligência.

Mas pelo menos Assad e sua família eram discretos – por isso os vizinhos se assustaram quando ouviram seus guardas gritando horas antes do amanhecer em 8 de dezembro.

“‘Rapazes, fujam, fujam! Eles estão vindo!'”, lembrou um vizinho deles gritando. “‘Que Deus o amaldiçoe. Ele nos deixou!'”

O caos também dominava um ramo da inteligência da força aérea em outra parte da cidade, de acordo com um soldado que deu apenas seu primeiro nome, Mohammed, por medo de retaliação dos rebeldes. À medida que os rebeldes se aproximavam, vieram ordens para defender a capital, disse ele. Mas em seus telefones, os soldados viram imagens de seus camaradas em outros lugares tirando seus uniformes e fugindo.

Depois que anoiteceu, suas ordens mudaram.

“Queimem tudo: documentos, arquivos e discos rígidos”, Mohammed lembrou de ter sido dito. “Neste momento, eu e meus colegas todos sentimos que o regime estava caindo.”

Ele também trocou de roupa civil e saiu da base, disse ele.

Dentro do palácio, as horas passavam enquanto os assessores de Assad esperavam pelo discurso, lembrou o informante.

“A ideia de que ele tinha fugido nunca passou pela mente”, disse ele.

Depois da meia-noite, eles receberam uma ligação dizendo que o presidente havia escapado, disse ele. Então o chefe da segurança da área ligou para dizer que os guardas haviam ido embora e que ele também estava saindo.

O terror se instalou, disse o informante, e ele correu para seu carro, encontrando o palácio vazio e seus portões abertos. Ele correu para se esconder, disse ele, concluindo enquanto dirigia que nunca houve realmente um plano para um discurso. Tinha, ele acreditava, sido um estratagema para distrair a equipe de Assad enquanto o presidente escapava.

“Ele nos enganou”, disse o informante. “Ele ainda tem alguma popularidade entre seu povo? Não. Pelo contrário. Ele nos traiu.”

Fonte: Folha de São Paulo

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