Um dia depois do ataque que deixou ao menos cinco mortos e duas dezenas de feridos em seu mercado de Natal, Magdeburgo, no centro-leste da Alemanha, via a consternação pelas vítimas, homenageadas com velas, flores e bichos de pelúcia. E também o ódio de extremistas, que se reuniram na cidade para bradar contra imigrantes.
Neste sábado (21), sob chuva rala e 5 graus que pareciam muito mais frio, uma das cidades mais antigas do país tinha sinais evidentes do caos da noite anterior, quando Taleb Al A., 50, um médico saudita com emprego estável e asilo, invadiu o mercado de Natal local a bordo de um BMW através de uma saída de emergência.
Taleb, cujo sobrenome autoridades e imprensa alemã não publicam por questões legais e de privacidade, arrastou centenas de pessoas por 400 metros de vielas formadas por barracas em um dos quarteirões mais movimentados da região central.
Foi preso logo após deixar o antes chamado perímetro de segurança do evento. Um policial armado fez ele sair do carro e se deixar no chão até que outros agentes chegassem para detê-lo. A área toda amanheceu preservada, protegida por vários carros da polícia. Era possível ver investigadores entrando e saindo de lojas do arredores. Um grupo deles fazia medições com teodolito no meio da avenida em que foi feita a abordagem.
Pelas calçadas, lixo, peças de roupa, luvas de látex e materiais usados por socorristas marcavam desordenadamente o local.
Equipe de TV e jornalistas de vários países da Europa se misturavam aos curiosos. Grupos de pessoas carregando velas e flores passavam sem se deter muito pelo local. O destino da maioria era uma igreja próxima, Johanniskirche, cuja entrada já se encontrava repleta de lembranças. Benjamin, estudante de biologia em Berlim, consolava a namorada em lágrimas. “Estamos visitando amigos aqui. Era para ser um feriado de Natal, virou isso. Não há palavras para descrever o que aconteceu.”
Confrontado com a informação de que o médico era uma ativista anti-Islã e havia elogiado Alice Weidel, a candidata a premiê da extrema direita alemã, Benjamin afirmou que preferia não comentar. Perto deles, um produtor de conteúdo discutia com um senhor de bicicleta. O debate, áspero, girava em torno do fato do primeiro estar aproveitando a situação para fazer proselitismo, de acordo com o segundo. Um policial foi chamado para acalmar a situação.
Magdeburgo é a capital da Saxônia-Anhalt, um dos estados da então Alemanha Oriental que deu por volta de 30% de seus votos para a AfD nas últimas eleições regionais. No começo de novembro, uma operação da polícia federal alemã desmantelou na vizinha Saxônia um grupo neonazista que pregava o caos para desestabilizar o governo e dar um golpe de Estado. Integrantes do partido de Weidel estavam entre os presos e logo foram expulsos.
A sigla extremista agora entra em nova operação de controle de danos. Mais um ataque contra mercados de Natal na Alemanha, oito anos após a morte de 13 pessoas em Berlim, deveria servir como oportunidade para reforçar o discurso anti-imigrante. Ocorre que o atropelador adaptou o discurso e defendeu que a Alemanha estava se “islamizando”.
David, funcionário de uma empresa pública, chorava em frente à igreja. “Uma grande merda. O que mais eu posso falar?” “Eu estava no mercado ontem à noite. O cara passou do meu lado. Por coisa de metros, não fui levado como tantos outros. Um horror, um monte de gente ferida, mortos. É muito triste esse tempo que estamos vivendo.”
No começo da noite, uma missa na catedral de Magdeburgo, a primeira construída em estilo gótico na Alemanha, era prestigiada por Olaf Scholz e Frank-Walter Steinmeier, o primeiro-ministro e o presidente da Alemanha, assim como ministros, integrantes da oposição e outras autoridades. Estavam lá também bombeiros e socorristas.”O espaço de paz mais seguro que você pode manter é o seu coração”, afirmou no serviço Friedrich Kramer, bispo regional da Igreja Evangélica alemã.
No mesmo horário, em uma praça, do outro lado da cidade, 500 extremistas de direita, vindos de várias cidades do país, se reuniam e gritavam slogans contra imigrantes e muçulmanos. “O que faremos com todas essas pessoas, esses imigrantes sem sentido?”, perguntava um dos líderes da manifestação. “Deportação”, gritavam os demais.
Jornalistas eram ameaçados e se abrigavam em um contramanifestação de esquerda, fenômeno comum na Alemanha atual. Policiais, já cheios de tarefas na cidade, diziam não estar em número suficiente para conter a confusão.
A 50 km dali, o modesto mercado de Natal de Quedlimburgo era desmontado. A festa foi cancelada por luto e medida de segurança na maioria das pequenas cidades da região. O Natal acabou antes da hora em boa parte do país.