O vigor exibido recentemente pelo papa Francisco tem sido uma surpresa para quem o considerava em curva mais descendente, entre problemas de saúde, críticas ferozes de opositores e boatos de renúncia. Não foi um 2024 fácil, especialmente devido ao contexto internacional, no qual o papa busca posicionar o Vaticano como mediador. Ao completar 88 anos, nesta terça (17), ele dá sinais de que o pontificado pode não estar tão perto do fim.
Exceto por episódios de gripes no início do ano, que limitaram sua participação em eventos ligados à Páscoa, a saúde de Francisco se mostrou mais estável. Mesmo com a mobilidade restrita, manteve uma agitada agenda de audiências privadas e eventos com fiéis no Vaticano, além de três viagens internacionais, incluindo 11 dias no Sudeste Asiático e na Oceania.
Ao nomear 21 cardeais no último dia 7, ele apareceu com um hematoma no queixo, causado, segundo o Vaticano, por uma batida na mesa de cabeceira, mas que não prejudicou seu trabalho. Pelos próximos meses, Francisco estará envolvido com diversos eventos ligados ao Jubileu da Igreja, que ocorre a cada 25 anos e que será inaugurado por ele em Roma, no próximo dia 24.
“É um papa que tem alguns problemas de saúde, mas muitas pessoas gostariam de chegar aos 88 anos em seu estado. Salvo por acontecimentos surpreendentes, o fim do pontificado não parece tão próximo como alguns imaginam”, diz à Folha Massimo Faggioli, professor de teologia histórica da Universidade Villanova, nos Estados Unidos. “Na minha opinião, ele não pretende renunciar por motivos de idade, não é sua intenção.”
Os rumores sobre uma eventual renúncia diminuíram de volume, assim como as críticas públicas da ala mais conservadora que se opõe a Francisco. Alguns saíram de cena por questões de idade ou de saúde e outros se desmotivaram, diante da movimentação do papa para afastar temas espinhosos.
Momento eclesiástico mais relevante do ano, o Sínodo da Sinodalidade –a palavra vem do grego e significa “caminhar juntos”–, que debateu o futuro da Igreja ao longo de três anos, foi concluído com resultado positivo em outubro, mas sem atrair entusiasmo. Foi importante para instaurar uma dinâmica de discussões mais participativa, que, espera-se, vá continuar.
Já em relação ao papel das mulheres, de mais reconhecimento e participação em tomadas de decisão, Francisco preferiu não avançar. Subtraiu o debate sobre o diaconato feminino da pauta de trabalho de bispos e leigos e determinou que um grupo especial pesquise o tema até metade de 2025.
“É uma das questões sobre as quais Francisco não mostra um crescimento de compreensão durante o seu pontificado. Permaneceu com uma linguagem bastante paternalista e caricatural”, diz Faggioli, citando situações em que o papa evoca a resposta “a Igreja é mulher”. “Para algumas Igrejas, como nos EUA, na Austrália, na Alemanha e na França, é uma questão urgente e grave, na qual o sínodo ajudou muito pouco.”
Para o professor, trata-se mais de uma característica geracional do que de uma posição ideológica. “Não é um conservadorismo; é um homem que nasce em 1936 na Argentina e que vive grande parte da vida como jesuíta. Acentuado pelo fato de que ele é um papa que trabalha muito sozinho. E isso, em certas questões, não é bom.”
O ano também foi marcado por deslizes de linguagem de Francisco. Em maio, ele teria dito, em encontro com bispos italianos, que os seminários estão cheios de “viadagem”. O Vaticano foi obrigado a pedir desculpas aos “que se sentiram ofendidos”.
Em setembro, o alvo foram os médicos. “Um aborto é um homicídio”, disse a jornalistas. “Os médicos que se prestam a isso são, permitam-me a palavra, sicários.” Em nota, a federação italiana de cirurgiões respondeu que “essa delicada tarefa” é realizada na aplicação da legislação –no país, a interrupção voluntária da gravidez é legalizada desde 1978–, com respeito à saúde e à dignidade das mulheres.
A declaração sobre o aborto aconteceu na volta de uma visita oficial à Bélgica, em setembro, um dos momentos mais negativos do ano para Francisco. Diante de autoridades, o pontífice demonstrou despreparo para responder a cobranças por ações mais concretas contra abusos sexuais cometidos pelo clero e por mais poder às mulheres.
No plano diplomático, o modo de dizer do papa também causou tensões. Em um livro recém-publicado, afirma que, segundo alguns especialistas, “aquilo que está acontecendo em Gaza tem as características de um genocídio“, algo que, segundo ele, deveria ser investigado para determinar se de fato se enquadra na definição de organismos internacionais.
A embaixada de Israel junto à Santa Sede reagiu: “Qualquer tentativa de chamar essa autodefesa com qualquer outro nome significa isolar o Estado judeu”.
A fala contribuiu para deteriorar a relação com parte do mundo judaico. “Isso se acumula a uma série de declarações que foram vistas por parte do judaísmo ortodoxo e do judaísmo político sionista como um papa que redescobriu e utiliza uma linguagem antijudaica”, diz o professor Faggioli.
Em relação à Guerra da Ucrânia, houve mais equilíbrio em relação aos primeiros meses de conflito, quando Francisco buscava transmitir equidistância, nem sempre tratando a Rússia como agressora. Embora persista a recusa em se mostrar como antirrusso, há um apoio moral mais claro à Ucrânia.