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Síria é primeiro novo desafio da política externa de Trump – 16/12/2024 – Thomas L. Friedman

Tenho uma regra simples para avaliar a potencial instabilidade dos países do Oriente Médio. Eles se encaixam em apenas duas variedades: países que implodem e países que explodem. Ou seja, países nos quais, quando o controle central desmorona, os pilares arruinados caem dentro de suas fronteiras, e países nos quais, quando o controle central colapsa, o raio de explosão de todo o estilhaço político se estende por toda a parte.

Não há país no Oriente Médio que exploda mais do que a Síria. O que quer que aconteça na Síria não fica apenas na Síria.

Isso porque a Síria é tanto uma pedra angular quanto um microcosmo de todo o Oriente Médio. Como uma pedra fundamental, uma vez que ela desmorona, os efeitos se irradiam em todas as direções.

Como um microcosmo —a Síria tem sunitas, xiitas, alauítas, curdos, cristãos e drusos— sempre que o controle central é afrouxado, é uma fonte de insegurança para cada seita, então muitas vezes eles buscam ajuda externa. Também é uma fonte de oportunidade para cada potência regional, então muitas vezes elas buscam ter a Síria ao seu lado. Historicamente, era necessário um líder com mão de ferro em Damasco para manter a Síria sob controle por dentro e dissuadir os poderes regionais que queriam controlá-la por fora.

Mas, por causa da centralidade da Síria, uma mudança positiva lá também poderia se irradiar em todas as direções. E isso me leva ao propósito desta coluna. Um memorando para o secretário de Estado nomeado por Trump, Marco Rubio: o senhor pode ainda não perceber, mas, se confirmado, seu primeiro grande desafio como principal diplomata do presidente Donald Trump pode ser convencê-lo a abandonar toda a retórica isolacionista-América-Primeiro-não-temos-certeza-se-queremos-ficar-na-OTAN-quem-precisa-de-aliados-quem-se-importa-com-países-de-merda que Trump é conhecido, para que vocês possam ajudar —ousaria dizer— na reconstrução da Síria.

Porque a queda do presidente Bashar Assad pelos rebeldes sírios é um dos maiores, potencialmente mais positivo, eventos transformadores no Oriente Médio nos últimos 45 anos. A questão sobre oportunidades na política externa, no entanto, é que elas podem surgir totalmente do nada —e os grandes presidentes são aqueles que as aproveitam, mesmo que isso signifique engolir um pouco do orgulho.

Para ser justo com Trump, quando a oportunidade dos Acordos de Abraão se manifestou em 2020, também do nada, ele a aproveitou e ajudou a forjar a normalização entre Israel e quatro estados árabes —em benefício da região e dos Estados Unidos. Este é um momento semelhante. As chances de sucesso são baixas, o retorno pode ser enorme e os riscos para Washington não são tão altos, mas exigirá uma liderança dos EUA muito mais intensiva do que os Acordos de Abraão.

Para entender por que, preciso levá-los de volta a 2003. A invasão dos EUA do Iraque sob o presidente George W. Bush sempre teve dois objetivos. Um era remover as armas de destruição em massa, o que se revelou fraudulento. O outro, que eu apoiei, era ambicioso, mas no final das contas impossível: tentar substituir Saddam Hussein por uma democracia multissectária e pluralista em uma grande capital árabe, Bagdá, na esperança de que isso pudesse criar um exemplo no coração do mundo árabe que pudesse irradiar e ajudar a curar as patologias que produziram os ataques de 11 de setembro. Digo “impossível” porque, como aprendemos, não se deve impor a democracia de cima para baixo e de fora para dentro. Ela tem que crescer organicamente de baixo para cima.

No Iraque, foram principalmente as forças dos EUA que derrubaram a estátua de Saddam em Bagdá, não os iraquianos, mesmo que muitos deles tenham gostado de vê-la desmoronar. No final, os iraquianos produziram uma democracia constitucional de compartilhamento de poder por conta própria, mas ela está à beira do fracasso e é profundamente penetrada por agentes e influência iranianos, bem como corrupção local. Embora o Iraque tenha realizado seis eleições bastante justas desde a invasão liderada pelos EUA que derrubou Saddam em 2003, o parlamento multipartidário que produziu é dominado por partidos definidos por seita ou etnia, não por um verdadeiro espírito de cidadania iraquiana forte e ampla o suficiente para resistir ao Irã.

O Iraque também enfrenta dificuldades desde 2003 porque os tiranos que governavam a vizinha Síria e o Irã fizeram de tudo para garantir que nenhum exemplo democrático decente surgisse em Bagdá que pudesse inspirar seu próprio povo a seguir o mesmo caminho. A Primavera Árabe, no entanto, que começou na Tunísia e no Egito, se espalhou para a Síria em 2011 —organicamente, sem uma invasão dos EUA—, mas Assad estava pronto para matar centenas de milhares de seu próprio povo e expulsar milhões para o exterior para se manter no poder, até a semana passada.

A grande dúvida em minha mente agora é: o Oriente Médio terá outra chance de ter um governo consensual e pluralista surgir em seu território, em outra grande capital árabe, Damasco, desta vez impulsionado por seu próprio povo, não por qualquer potência estrangeira? Se os sírios nos próximos anos conseguirem encontrar seu caminho de baixo para cima para viver juntos em uma sociedade pluralista como cidadãos, não apenas como grupos sectários, unidos por consentimento voluntário, não apenas pelo punho de ferro de um ditador, isso se irradiaria para o Iraque, Líbano, Irã, Líbia, Sudão —por toda parte.

Isso seria o evento mais positivo no Oriente Médio desde que Anwar Sadat embarcou em um avião e foi para Israel fazer a paz em 1977 —e um dos mais importantes na política árabe moderna.

Não preciso que me digam sobre o quão improvável isso é. Vivi a guerra civil libanesa por mais de quatro anos e fiz muitas reportagens no Iraque. Um final feliz na Síria é um desfecho de baixa probabilidade, mas ofereceria um enorme benefício para o povo sírio e toda a região. E, ao contrário da invasão dos EUA ao Iraque, custaria pouco dinheiro aos Estados Unidos e seus aliados e poucos soldados para tentar ajudar.

Mas isso não acontecerá sem ajuda e liderança americana e alguma diplomacia consistente e firme, disposta a arriscar fracassar e pronta para entender que a negligência benigna poderia ser extremamente custosa para nossos aliados. A competição dentro da Síria —e sobre a Síria por estrangeiros— se espalhará por toda a região. Será uma guerra interminável que abrirá caminho para o ressurgimento do Estado Islâmico e poderá facilmente desestabilizar a frágil democracia no Iraque e a monarquia na Jordânia, e arrastar Israel para a Síria —significando que 7 milhões de judeus estariam controlando toda a Faixa de Gaza e partes do Líbano e da Síria, além de Israel e da Cisjordânia. Israel estaria completamente sobrecarregado e precisaria de bilhões em ajuda extra dos EUA.

Não sei o que há na cabeça ou no coração do líder rebelde sírio Ahmad al-Sharaa, anteriormente conhecido como Abu Mohammed al-Golani. Li que ele passou anos tentando reformular sua imagem, renunciando aos seus laços de longa data com a Al Qaeda e apresentando-se como um líder que promove o pluralismo e a tolerância. Apenas estou convicto de que devemos fazer tudo o que pudermos do exterior para encorajar, pressionar e incentivar Sharaa a agir conforme essa imagem. Fiquei impressionado com a forma como o secretário de Estado Antony Blinken entrou imediatamente com esta declaração em 10 de dezembro:

“Os Estados Unidos reafirmam seu total apoio a uma transição política liderada e de propriedade síria. Esse processo de transição deve levar a um governo crível, inclusivo e não sectário. O processo de transição e o novo governo também devem promover compromissos claros de respeitar plenamente os direitos das minorias, facilitar o fluxo de assistência humanitária a todos os necessitados e impedir que a Síria seja usada como base para o terrorismo ou represente uma ameaça para seus vizinhos.”

Acredito que o problema sírio será um microcosmo do desafio-chave que a equipe de política externa de Trump enfrentará globalmente —como gerenciar a fraqueza, não a força. Como lidar com Estados que se desintegram e ameaçam o mundo com seu colapso, não com Estados que se levantam e ameaçam o mundo com sua força. Exceto a China, são os Estados fracos, não os fortes, que vão incomodar os Estados Unidos e seus aliados. Portanto, o desafio central para a equipe de Trump será como fazer a construção ou reparação de nações a um custo que o povo americano tolere.

Como apontou o analista econômico do Haaretz, David Rosenberg, em relação apenas à Síria: “A conta de reconstrução será facilmente sete vezes o tamanho de toda a economia da Síria, e o trabalho em si exigirá o tipo de expertise técnica que poucos países podem fornecer. O problema é que a Síria está quebrada, e Trump provavelmente não lhe fornecerá uma ajuda significativa. Também está sob sanções ocidentais que Trump teria que suspender. Para que a Síria se recupere e se reconstrua, os astros terão que se alinhar perfeitamente em uma constelação de boa liderança, unidade nacional e boa vontade internacional.”

Trump poderia optar por simplesmente se afastar da Síria, como tentou fazer uma vez antes, quando era presidente, e assistir ao Oriente Médio se desintegrar completamente e apenas dizer o que o vice-presidente eleito J.D. Vance disse uma vez sobre a Ucrânia: “Eu realmente não me importo com o que acontece.”

Ou Trump poderia reconhecer que a única maneira de ajudar a colocar a Síria em uma direção positiva a um custo tolerável é se construirmos uma coalizão com nossos aliados da Otan, Japão, Coreia do Sul e Austrália —e talvez até com China e Índia— que busque dar à revolta síria a melhor chance possível de sucesso.

O presidente Joe Biden retirou os Estados Unidos do Afeganistão logo após assumir o cargo. Ficou feio para ele e foi triste para os afegãos. Mas a Síria não é o Afeganistão.

O Afeganistão implode. A Síria explode.

Fonte: Folha de São Paulo

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