Esta sexta-feira (13) na Ucrânia fez jus à fama de data de mau agouro, com o país invadido por Vladimir Putin vivendo seu pior ataque aéreo desde o começo da guerra, há 1.024 dias. Foram empregados 287 mísseis e drones contra o sistema energético ucraniano.
O Ministério da Defesa russo disse que a ação foi uma vingança devido ao ataque, com seis mísseis americanos ATACMS, a uma base aérea na região de Rostov ocorrido na quarta-feira (11). Esse tipo de ofensiva foi chamado na quinta-feira (12) por Donald Trump de loucura, algo celebrado pelo Kremlin.
Havia uma expectativa generalizada, vocalizada pelo Pentágono, de que Moscou iria empregar seu novo míssil balístico de alcance intermediário, o Orechnik (aveleira, em russo), mas isso não aconteceu ainda.
Em seu lugar, ocorreu uma das mais complexas ações até aqui no conflito, com uso de múltiplas armas e saturação dos sistemas antiaéreos de Volodimir Zelenski. Antes, o maior ataque havia ocorrido com 236 mísseis e drones, em 26 de agosto.
Segundo Kiev, foram usados 94 mísseis, dos quais 81 teriam sido derrubados, e 193 drones —desses, 80 foram abatidos, e 105 não teriam atingido alvos. A maioria dos mísseis era de cruzeiro, que manobram a baixa altitude para fugir de radares: Kh-101 e Kh-69 lançados de bombardeiros, Kalibr disparados de navios e Iskander-K, que têm lançadores móveis.
Também foram empregados mísseis balísticos Iskander-M e ao menos um KN-23 norte-coreano, além de quatro modelos hipersônicos Kinjal, que não foram interceptados. Foram atingidas 8 das 24 regiões ucranianas.
O dano desta vez parece ter sido cirúrgico, já que não houve relatos de mortes. Em Kharkiv, quatro pessoas ficaram levemente feridas. Mas o país todo entrou em um regime de contenção de energia, com três blecautes escalonados previstos para esta sexta pela operadora Ukrenergo.
Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, 5 dos 9 reatores nucleares da Ucrânia tiveram de ter sua capacidade de geração reduzida para não sobrecarregar a rede, devido aos diversos pontos destruídos.
A campanha russa visa abalar o moral ucraniano: o inverno no país começa em duas semanas, e as temperaturas já estão abaixo de zero em vários lugares, inclusive Kiev. A energia é vital para sistemas de aquecimento baseados em bombas que distribuem água quente pelas cidades por tubulações, além da iluminação em si.
O não uso do Orechnik mantém o suspense, dado que Putin já disse que voltará a empregar o míssil, desenhado para guerras nucleares com suas múltiplas ogivas e disparado conta Dnipro no fim de novembro. O Pentágono diz que há muita propaganda nisso, dado que a arma é experimental e não está disponível em grande quantidade.
Em relação aos ataques autorizados pelo governo Joe Biden contra alvos no território russo, objeto da retaliação desta sexta, o Kremlin comemorou a fala de Trump em entrevista à revista Time, que o elegeu “pessoa do ano” na quinta.
“É uma loucura o que está acontecendo. É uma loucura. Eu discordo veementemente em enviar mísseis centenas de milhas dentro da Rússia. Por que estamos fazendo isso? Nós só estamos escalando da guerra e a fazendo pior. Isso não deveria ter sido permitido”, disse.
O republicano tocou música para os ouvidos russos. “A declaração coincide completamente com nossa posição, com nossa visão sobre causas de escalada”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Foi a mais contundente fala de Trump sobre a guerra, que ele diz querer “acabar em um dia” desde que derrotou Kamala Harris, a vice de Biden, em novembro. Há ampla expectativa de que ele retire apoio a Kiev para forçar negociações após assumir, em 20 de janeiro.
Isso forçou uma mudança cada vez mais desesperada de posição de Zelenski, que está perdendo terreno no leste ucraniano e viu sua ofensiva na região russa de Kursk tornar-se um detalhe menor na guerra.
O ucraniano já abandonou a rejeição total de negociar sem retirada de forças russas e pediu à Otan (aliança militar liderada pelos EUA) um convite de admissão considerando apenas o território sob seu controle. O clube não topou, e Zelenski então sugeriu que tropas estrangeiras pudessem entrar na Ucrânia para garantir as fronteiras atuais, no caso de um cessar-fogo.
Essa medida aparentemente foi combinada com a França, mas não teve eco. O premiê polonês, Donald Tusk, um dos mais entusiasmados apoiadores de Kiev, se disse contra. Nesta sexta, Peskov voltou a dizer que a Rússia aceita negociar em seus termos e que discussões sobre forças de paz na Ucrânia são prematuras.
Putin afirma que se contenta com as quatro regiões que anexou em 2022, mas que não controla totalmente, e exige tanto a neutralidade da Ucrânia quanto seu desarmamento. Hoje, o russo ocupa quase 20% do país vizinho, incluindo aí a Crimeia, anexada em 2014.