O verão vem chegando com a dengue e, depois dele, o frio invernal. São situações que todos os habitantes de Buenos Aires irão passar nos próximos meses. Porém, um grupo da sociedade sofrerá muito mais: o de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Vários dos balanços de um ano do governo de Javier Milei trataram do aumento da pobreza como um “outro lado” dos bons números macroeconômicos. Um problema que seria resolvido depois.
Nas estatísticas do aumento da pobreza, porém, estão números alarmantes: de indigentes, pessoas sem emprego, em situação de rua, além de vulneráveis à dengue no verão (que no início de 2024 foi recorde) e ao frio (uma vez que os abrigos não estão preparados para situações extremas).
De acordo com a Direção Geral de Estatística e Censos da Cidade de Buenos Aires, atualmente, na capital argentina, 15,3% da população é considerada indigente, quase o dobro do ano passado (8,4%) e o triplo dos anteriores, que registravam 4%.
Quando estou em São Paulo, costumo viver no centro, onde vejo o horror causado pelas políticas insuficientes para a pobreza do prefeito atual e reeleito, Ricardo Nunes. Viver na rua, naquela região, é um lugar-comum. Verdadeiros acampamentos nos quais crianças e idosos convivem ao léu. Roubos, extorsões, doenças, menores expostos muito cedo a atividades criminosas e, literalmente, sem ter onde caírem mortos. Dou dois passos para fora de casa e isso basta para tropeçar em um indigente, muitas vezes drogado, com frio, na cidade mais rica do país.
Temo que Buenos Aires esteja seguindo esse caminho. Pois, às vezes, ouço relatos muito parecidos aos de minha cidade natal sobre abrigos insalubres, nos quais por risco de roubo as pessoas não podem manter suas coisas, incluindo suas pequenas cozinhas, que poderiam fazer com que as famílias ficassem unidas.
Já estão longe os tempos da minha juventude, mas vale lembrar que, naquela época, tínhamos uma ideia idílica de Buenos Aires: a cidade onde se podia caminhar na rua a qualquer horário sem risco de ser assaltado, onde os pobres comiam melhor que os nossos, pois eles comiam carne a cada refeição.
No final do dia, passam vários grupos de vulneráveis que buscam comida nos lixões e carregam grandes caixas de plástico todas as noites. O que se vê ali é de uma tristeza enorme. Às vezes são jovens em dupla, que metem a cabeça pela entrada do lixão e reviram com um arame longo o que pode ser aproveitado, abrindo sacolas que liberam um cheiro fétido. O outro amigo o ajuda a fazer a seleção do que pode ser útil: sobras de comidas e roupas, deixando todo o resto revirado.
Mais triste é quando jogam uma criança lá dentro para revirar os sacos de lixo porque ela se move melhor no espaço pequeno. Elas saem sujas e logo vão para a próxima.
À noite pessoas buscam lugar para dormir nos vãos cobertos de prédios.
Daí a falácia que é dizer, em poucas linhas, que a macroeconomia melhora, mas a pobreza aumentou —e que ela será passageira. Não é a macroeconomia que vai alimentar a pobreza, e sim políticas de assistência imediata que existiam até antes da chegada de Milei.
Pintam outros três anos assim. Haverá paciência?
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