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Morre Dalton Trevisan, o lendário vampiro de Curitiba, aos 99 anos

Morreu nesta segunda-feira, aos 99 anos, o escritor paranaense Dalton Trevisan, um dos maiores contistas do país, informou sua família, na conta do Instagram do escritor. O velório será aberto ao público, atendendo a um desejo do autor, mas ainda não há lugar ou horário definidos, ainda segundo sua agente literária, Fabiana Faversani.

A causa da morte não foi revelada. “Tentamos dar o máximo de privacidade como era seu desejo”, disse a agente. “Todo vampiro é imortal. Ou, ao menos, seu legado é”, escreveu a família do escritor em um post publicado no Instagram.

A casa de Trevisan, certa vez, foi pichada. Providenciada a camuflagem do vandalismo, não houve a pretensão de melhorar o aspecto com mais uma demão de tinta. Os rabiscos acrescentaram um acento punk ao tom cinza de decadência que o lugar ostentou por décadas.

O episódio, além de enriquecer a mitologia daltoniana com mais um fato de recorte vampiresco, serviu para comunicar aos interessados que o escritor continuava vivo, desperto e a postos para defender suas indevassáveis muralhas.

Era assim, por meio de sinais indiretos e esporádicas fotos à traição, que se acompanhava a vida e as excentricidades do contista.

Trevisan cultivou uma aversão especial à imprensa, e sua última entrevista data de 1972. Paradoxalmente, viveu sua fase adulta em endereço certo e sabido, em Curitiba, no cruzamento de duas movimentadas avenidas.

O portão da frente era baixo e vazado, a poucos passos da porta de entrada. Qualquer passante teria podido espiar o interior da casa sem recuo, através das janelas abertas diretamente para a calçada, não fossem as cortinas invariavelmente cerradas.

Dalton Jérson Trevisan nasceu em 14 de junho de 1925, irmão de Derson Trevisan e Hilton Dácio Trevisan. Os três, filhos do proprietário da Fábrica de Louça, Refratário e Vidro, João Evaristo Trevisan, e de Catarina Stocchero Trevisan.

O escritor trabalhava na fábrica do pai, em 1945, quando uma explosão causou sérios ferimentos a seu crânio e o obrigou a uma longa recuperação. Há indícios de que desse confinamento tenha emergido o escritor maduro. Nesse mesmo ano, lançou seu primeiro título, “Sonata ao Luar”.

No ano seguinte publicaria “Sete Anos de Pastor”, definido por Sérgio Milliet como “a maior invenção expressiva desde Clarice Lispector”. Trevisan viria, posteriormente, a renegar ambos os livros.

Paralelamente aos seus trabalhos, ele se formou em direito pela Universidade Federal do Paraná, em 1947. Permaneceu filiado à Ordem dos Advogados do Brasil até 1964.

Em 1946, fundou a Revista Joaquim, “de pôr água na boca”, segundo escreveu, na Folha da Manhã, a cronista Helena Silveira. No segundo número, a Joaquim publicou uma carta de Carlos Drummond de Andrade, que comemorava “as revistas de moços”. “Que delícia uma revista cuja redação é na rua Emiliano Perneta, 476, e que promete publicar em seu segundo número um artigo sob o título ‘Emiliano, poeta medíocre’!”

Na coluna ao lado da carta de Drummond, a Joaquim trazia, efetivamente, o artigo em que Trevisan desconstruía Emiliano Perneta, o chamado príncipe dos poetas do Paraná, que em sua opinião teria produzido uma “versalhada farinhenta”, para ser “recitada nas sessões litero-musicais dos colégios em festa no dia da árvore”.

O jovem escritor também trocou correspondência com Pedro Nava, Antonio Callado e outros importantes nomes da literatura. Segundo o jornalista Sandro Moser, da Gazeta do Povo, a Revista Joaquim foi a “trincheira de onde [Trevisan] iria atacar o paranismo beletrista e cafona da província”.

Em 21 edições, de 1946 a 1948, a publicação pôs Curitiba no circuito literário nacional e não deixou pedra sobre pedra na crítica ao movimento que, nas palavras de Trevisan, “em nome de santas tradições, amputou as mãos e furou os olhos dos jovens artistas”.

Depois de um hiato, só em 1959 o contista voltaria a publicar em livro. “Novelas Nada Exemplares” resultou em seu primeiro Prêmio Jabuti de Literatura. “O Vampiro de Curitiba” foi publicado seis anos depois. O personagem Nelsinho fala da solidão atormentada de um compulsivo sexual. “Eu vos desprezo, ó virgens cruéis. A todas eu poderia desfrutar. Ser eunuco, ai quem me dera.”

Há 50 anos, Nelsinho viria a ganhar o rosto e trejeitos do ator Carlos Gregório, no longa-metragem “Guerra Conjugal”, de Joaquim Pedro de Andrade, com roteiro também escrito por Trevisan.

O escritor teve, ainda, várias seleções de seus contos levados ao teatro. Entre as montagens, se destacam a de Marcelo Marchioro, “O Ventre do Minotauro”, em 1998, e “Pico na Veia”, em 2005.

Por quatro vezes Trevisan venceu o Jabuti. Conquistou também, em duas oportunidades, o prêmio Portugal Telecom, amealhando também o APCA, o Machado de Assis e o prestigioso Camões, pelo conjunto da obra. Nunca compareceu a nenhuma das cerimônias de premiação.

Trevisan publicou até os 90 anos de idade com uma regularidade espantosa, imune às oscilações do mercado editorial.

Segundo amigos, Trevisan nunca foi recluso. Eles contam que o escritor saía todas as manhãs para a sua caminhada e adorava o frisson das mocinhas estudantes de letras da Universidade Federal do Paraná quando o reconheciam. Mas o autor, ele mesmo, afirmou “só a obra interessa”. “O autor não vale o personagem. O conto é mais importante que o contista.”

Os textos de Trevisan foram encolhendo, numa busca obsessiva pela concisão extrema. “Para escrever o menor dos contos a vida inteira é curta. Nunca termino uma história. Cada vez que a releio, eu a reescrevo”, declarou o autor em 1965.

Seu conto “Eucaris a dos Olhos Doces”, publicado em 1945 no primeiro número da Revista Joaquim, reapareceu em “O Beijo na Nuca”, uma edição da Record de dez anos atrás, rebatizado de “Eucaris”, com 229 palavras. A primeira versão tinha mais de mil.

Curitiba se despede de seu vampiro –vegetariano, flâneur, amante das edições artesanais, “monstro moral” em sua autodefinição. Seus livros hoje estão disponíveis pela editora Record e, a partir do ano que vem, serão reeditados pela Todavia.

Trevisan foi casado durante mais de quatro décadas com Yole Bonato, morta em 1998. A filha mais nova, Isabel, morreu de câncer antes dos 40 anos. Bonato morreu logo em seguida, pela mesma doença.

O escritor deixa a filha Rosana e as netas Katiuscia e Natasha. Sua morte também deixa órfãs várias safras de contistas, que de muito bom grado teriam dado a ele a jugular para morder.

Fonte: TNH1

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