Bashar al-Assad recebeu asilo na Rússia. É agora apenas mais um na lista de milhões de sírios deslocados à força pela guerra civil que patrocinou em seu país há 13 anos. Em números atualizados 13,7 milhões de pessoas, quase a metade expatriada, o resto tirado de casa dentro do próprio território.
Um dia depois da sua fuga, países que abrigam os sírios já se mexem para mandá-los de volta.
Segundo a Acnur, a agência da ONU para refugiados, quatro nações são responsáveis por 65% dos refugiados do mundo neste momento. A Síria lidera a fila, à frente de Venezuela, Ucrânia e Afeganistão. Do outro lado, os maiores receptores são Irã, Turquia, Colômbia, Alemanha e Uganda. Não é preciso muito conhecimento de geopolítica para entender quem é o ponto fora da curva na lista.
Como 2,7 milhões de refugiados ou requerentes de refúgios, a Alemanha contabiliza oficialmente 781.232 sírios recepcionados neste momento. Eram 31 mil no início da guerra, em 2011. A retórica política arredonda o número para “quase um milhão”, já que a imigração domina o debate público, superando até mesmo a combalida situação econômica.
A ascensão da extrema direita e episódios de violência protagonizados por imigrantes irregulares fizeram o país inclusive afrontar um dos princípios mais caros da União Europeia, o Tratado Schengen, que rege a livre circulação no continente. Quem atravessa uma das fronteiras alemãs desde setembro pode enfrentar controle policial reforçado.
Já no fim de semana, políticos de diferentes matizes passavam com certa facilidade da política externa para a interna. Nesta segunda-feira (9), o tema cresceu ainda mais. “É preciso considerar a possibilidade de acelerar o regresso dos sírios para sua pátria”, declarou Markus Söder, líder da CSU, durante um evento em Munique.
Thorsten Frei, líder da CDU no Parlamento, foi mais longe, afirmando que, juridicamente, o argumento de asilo perdeu seu objeto, que é o risco de viver sob a ditadura Assad. A CDU, que forma um grupo parlamentar comum com a CSU no Bundestag, é a sigla favorita para as eleições de fevereiro, o que explica a agilidade dos comentários.
“É uma vitória para a Síria, mas também para o sistema de seguridade social da Alemanha”, declarou à emissora ZDF Jürgen Hardt, também da CDU. Espremido pelos comentários, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores declarou pela manhã que o assunto mereceria reflexão “assim que a poeira baixar um pouco” na Síria.
À tarde, mesmo sem a poeira baixar, o ministério do Interior confirmou que os pedidos de asilo de sírios seriam colocados no fim da fila até uma análise mais detalhada da situação.
O relativo tom de embaraço alemão não se repetiu na vizinha Áustria, em que a pasta equivalente descreveu o congelamento do processo como “ordens do primeiro-ministro Karl Nehammer”. “Instruí o ministério a preparar um programa de repatriação e deportação”, disse nas redes sociais o político conservador, que tenta montar uma coalizão sem o Partido da Liberdade.
A sigla de extrema direita venceu as eleições parlamentares, em setembro, mas não consegue formar uma aliança para governar. Seu discurso anti-imigração, no entanto, molda o comportamento das outras legendas, como ocorre na Alemanha. “Essa gente tem que voltar para casa o mais rápido possível”, afirmou, por exemplo, Alice Weidel, líder da AfD, o partido de extrema direita alemão que ocupa o segundo lugar nas pesquisas eleitorais.
Em termos mais técnicos, Dinamarca, Noruega, Suécia, Grécia e França também anunciaram revisão dos processos ou sua paralisação nesta segunda-feira (9). A questão jurídica de fato exigirá reavaliação, mas ativistas e políticos pedem cautela com uma população devastada pela guerra e pela diáspora.
“Depois de apenas um dia e meio, creio que este é um debate inapropriado”, afirmou Katrin Göring-Eckardt, parlamentar dos Verdes. A Comissão Europeia também pediu moderação.
“Estamos convencidos de que a maioria dos sírios sonham em voltar para seu país após mais de uma década. A situação de momento é de grande esperança, mas também de grande incerteza”, declarou um porta-voz da entidade em Bruxelas. “No estágio atual das coisas, é melhor não ser muito voluntarioso ou prematuro.”
Na Alemanha e em outros países a discussão também produz sugestões, como pagar um valor de mil euros (cerca de R$ 6.400) para cada sírio que queira voltar espontaneamente, política que não é inédita no continente.
Em agosto e setembro, algo semelhante ocorreu no Reino Unido, quando o país deportou secretamente cerca de 600 brasileiros em três voos. Reportagem do jornal The Observer afirma que cada um dos deportados, incluindo mais de cem crianças, recebeu do governo britânico até 3.000 libras (R$ 23 mil) como auxílio para o período de repatriação e deixou o país voluntariamente.