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Entenda o que acontece com o fim da ditadura na Síria – 09/12/2024 – Mundo

A surpreendente queda da ditadura de Bashar al-Assad na Síria recolocou a guerra civil no país árabe no topo do noticiário internacional, mas é apenas uma consequência lógica da turbulência que afeta o Oriente Médio desde o 7 de Outubro. Os efeitos do que ocorrerá daqui para a frente, contudo, ainda são imprevisíveis.

O ataque terrorista do Hamas palestino contra Israel em 2023 abriu uma caixa de Pandora regional. O propalado “redesenho do Oriente Médio” do premiê Binyamin Netanyahu, resultante do acerto de contas a que o Estado judeu se dispôs, pode gerar frutos inesperados e indesejados por Tel Aviv.

Ao enfraquecer a posição do Irã e de seu principal preposto na região, o Hezbollah libanês, Israel concedeu uma janela para as forças de oposição a Assad se mexerem.

Desde 2015, quando retomou a iniciativa à beira da derrota, Damasco contou com o consórcio Irã/Hezbollah em terra e com as forças da Rússia pelo ar. Deu certo e ele controlava desde 2020 o fim do mês passado 70% de seu país.

No dia 27 de novembro, uma ofensiva apoiada pela Turquia e liderada pelo grupo radical islâmico HTS (sigla árabe para Organização para a Libertação do Levante) pegou Assad e seus aliados de surpresa. Em três dias, a segunda maior cidade síria, Aleppo, havia caído.

Ao todo, em meros 12 dias o regime entrou em colapso, com Assad fugindo de Damasco e deixando o governo para os rebeldes no domingo (8).

Alguns motivos concorreram para isso. A guerra de Gaza espalhou-se para o Líbano, desestruturando o Hezbollah e deixando o Irã exposto. Mesmo com o atual cessar-fogo com Israel, o grupo libanês está imobilizado e não pôde intervir em favor de Damasco.

Há o fator Rússia, que ficou do lado perdedor. Aqui, outra guerra, a da Ucrânia, dificultou a vida de Assad. Putin já não tem tantas capacidades instaladas na sua base em Hmeimim, por necessitar de caças, bombardeios e sistemas antiaéreos para emprego na Europa.

O foco do Kremlin na Ucrânia tem tido efeitos em outras frentes também, como nos protestos contra as inclinações pró-Rússia do governo da Geórgia, que podem virar uma dor de cabeça maior para Putin no Cáucaso, após ter perdido controle político da Armênia e visto a Turquia estabelecer uma cabeça de ponte na região.

Para piorar, há os ativos militares ainda na Síria, não só aviões e sistemas antiaéreos, mas todo o porto de Tartus, cedido a Moscou desde o acordo de cooperação entre sírios e soviéticos de 1971. O Kremlin já diz que quer negociar com quem quer que esteja no poder em Damasco o futuro de suas bases.

A anemia militar de Assad surpreendeu também. Praticamente não houve resistência no momento em que as tropas da HTS avançaram ao sul. Elas não são, contudo, as únicas forças em jogo na guerra.

O grupo saiu de uma costela da rede terrorista Al Qaeda em 2016. Na realidade, é uma coalizão de cinco milícias principais e seis, secundárias, e nenhuma delas é exatamente fraternal com as outras.

Seu líder, Abu Mohamed al-Jolani (ou al-Joulani ou al-Golani, dependendo da transliteração), é um terrorista conhecido por crueldade, que bebe na fonte do radicalismo islâmico que inspira os jihadistas da região desde os anos 1920. Ele comanda cerca de 10 mil homens, segundo estimativa do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres).

Milícias seculares apoiadas pela Turquia (70 mil soldados) participaram da ação, e forças do Curdistão sírio (50 mil militares) coordenaram a ocupação de cidades e partes de Aleppo. Antes da queda de Assad, lutaram contra forças de Damasco no nordeste.

Isso reflete o cipoal que sempre marcou as lealdades no campo de batalha do país desde 2011. Os EUA, por exemplo, ainda têm 800 soldados numa base com uma facção síria perto da fronteira do Iraque, que mantém ataques pontuais sobre posições remanescentes dos terroristas do Estado Islâmico.

Mesmo Israel manteve sua campanha de bombardeamento da Síria, antes para evitar que armas chegassem ao Hezbollah e, agora, mirando mísseis de mais longo alcance e armamentos químicos proibidos, que podem cair na mão de jihadistas extremistas.

Esse é um temor oriundo da queda de Assad: a fragmentação inevitável do país ao menos durante a transição de governo gera um campo fértil para o terrorismo islâmico ameaçar Israel, EUA e países europeus em geral.

Já o Irã perde seu ponto focal de coordenação com grupos da região, Hezbollah à frente, sendo de longe o maior derrotado estratégico depois do ditador, que pegou a família e voou para o exílio em Moscou.

Para os turcos, que desde o fim de 2022 vivem uma aproximação cautelosa com o Irã, é uma oportunidade de ocupar espaços com os grupos que sustenta na Síria. O problema é que uma anomia eventual abre espaço também para o fortalecimento de seus rivais curdos, que já ocupam uma grande fatia do norte da Síria.

A incerteza marca o cenário, apesar de cautelosas palavras de otimismo vinda da ONU e de governos que denunciavam a barbárie da guerra civil iniciada em 2011 e do regime brutal da família Assad, que durou quase 54 anos contando aí os 30 anos de governo do pai de Bashar, Hafez.

Fonte: Folha de São Paulo

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