A reabertura da Notre-Dame, o grande evento deste fim de semana na Europa, estava na agenda de Ursula von der Leyen. Horas depois da assinatura do tratado comercial UE-Mercosul, que tem a anfitriã da festa como maior opositora, o compromisso saiu de sua agenda.
A ausência sentida na catedral, como a do Papa Francisco, ilustra apenas a última da série de crises que o continente experimenta neste fim de ano: a mais alta autoridade política da Europa entrou em rota de colisão com Emmanuel Macron, que governa sem primeiro-ministro e um gabinete demissionário. O acordo interessa ao maior exportador do continente, a Alemanha, que também encara imensos desafios econômicos e políticos.
“Estamos numa situação diferente da França, mas é importante seguir o caminho do crescimento. A Europa está sob pressão. A influência que o continente tem a nível internacional depende fortemente da nossa força econômica”, declarou na última semana Sabine Mauderer, vice-presidente do Bundesbank, o banco central alemão.
A pergunta não era sobre quem estava pior, mas o que a Europa precisará fazer diante de um cenário complexo, que reúne de disputa comercial com a China às bravatas tarifárias de Donald Trump, passando por questões internas como um propalado excesso de regulação e defasagem tecnológica e industrial.
Segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a economia mundial apresenta “notável resiliência” apesar dos efeitos da pandemia e da transição energética forçada. O planeta deve crescer 3,3% em 2025, 0,1 ponto percentual a mais do que o estimado na última previsão, muito por conta dos EUA.
Trump herdará uma economia em forma, com estimados 2,4% no ano que vem. O Reino Unido deve registrar 1,7%, com o pacote trabalhista de Keir Starmer, que prevê um salto no gasto público. China (4,7%) e Índia (6,9%) trabalham em outro patamar. Já a perspectiva para Alemanha e França despencou nos últimos meses, chegando a 0,7% e 0,9%.
A Alemanha é a maior economia, e a França, a única grande potência militar do continente. Enquanto os dois motores da Europa patinam, na prática governados de maneira provisória neste momento, o resto do continente não só sente, como contribui para o momento conturbado.
A Itália, que pode virar o jogo do acordo em favor da França na novela UE-Mercosul, também está em crise econômica. Sua previsão interna de crescimento caiu de 1,1% para 0,8% em 2025, e o governo Giorgia Meloni corre o risco de acabar sob monitoramento de Bruxelas por não conseguir cumprir o déficit fiscal. A premiê ainda trava uma batalha pública com o Judiciário, que deteve seu plano de montar um centro de controle imigratório avançado na Albânia.
Na Holanda, a coalizão de direita quase ruiu depois que Geert Wilders culpou a imigração marroquina pela confusão generalizada em Amsterdã antes e depois da partida da Liga Europa entre Ajax e Maccabi, há algumas semanas. Wilders, vencedor das últimas eleições, mas que abdicou do posto de primeiro-ministro para viabilizar um governo, esqueceu que havia um integrante de ascendência marroquina no ministério.
Ainda que o político de extrema direita tenha invocado o antissemitismo para justificar sua xenofobia, a questão é ponto sensível a fustigar o cotidiano europeu. Episódios de constrangimento e violência contra judeus e sinagogas se sucedem no continente, assim como as investidas contra a imigração irregular.
O cenário se agrava mais a leste. Não bastasse a invasão da Ucrânia, a Rússia é acusada de promover ataques híbridos em diversos países vizinhos. Pelo menos três pleitos recentes tiveram resultados surpreendentes.
Na Moldava, um plebiscito sobre a adesão à União Europeia, tido como barbada pelas pesquisas, passou por apenas 11.500 votos. Uma pirâmide financeira teria sido montada para comprar votos, de acordo com informações do governo.
Episódios bizarros também marcaram as eleições parlamentares na Geórgia. Observadores locais e da União Europeia registraram até manipulação de urnas, e o país registra manifestações diárias contra o primeiro-ministro, pró-Rússia. A presidente, Salome Zourabichvili, defensora da aproximação com a UE, lidera uma onda de desobediência civil que a própria Rússia já compara com Maidan, o movimento que derrubou o dirigente pró-Kremlin na Ucrânia, em 2014.
O recado de Dmitri Peskov, porta-voz de Vladimir Putin, ecoava uma frase de Bidzina Ivanishvili, fundador do Sonho Georgiano, o partido de tendências autoritárias que comanda o Parlamento. Na campanha, o oligarca defendeu que uma convivência negociada com Moscou é melhor do que ver a “Geórgia se transformar em uma nova Ucrânia”.
Outra situação do leste europeu que preocupa é a da Romênia, onde a interferência russa teria catapultado um candidato de ultradireita, antes traço nas pesquisas. Calin Georgescu venceu o primeiro turno com 22% dos votos, e o resultado foi anulado pela corte superior do país na sexta-feira (6).
O segundo turno seria disputado neste domingo (7), e a votação já havia sido iniciada no exterior. Teme-se que o caos institucional se espalhe pelas ruas.
Georgescu tinha como plataforma acabar com o apoio romeno à Ucrânia e buscar aproximação com Moscou. Isso em um país-membro da UE e da Otan, a aliança militar ocidental. A Romênia abriga ainda uma base de mísseis fundamental para o sistema de defesa europeu.
Antes da anulação do pleito, a União Europeia inquiriu executivos do TikTok, plataforma em que Georgescu teria sido alavancado de forma desproporcional. Segundo a inteligência romena, um feito obtido graças a contas falsas operadas por robôs da Rússia.
A Otan manifestou preocupação, declarando que os ataques híbridos vindos de Moscou, que incluem atentados, sabotagens, incêndios provocados e outras ações, são “a maior ameaça” à Europa neste momento.