Combatentes curdos, que administram de forma autônoma a região de Rojava, no nordeste da Síria, já se preparam para uma possível ressurgência do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) após a retomada dos enfrentamentos na guerra civil no país.
Os curdos são uma minoria étnica formada por mais de 30 milhões de pessoas em regiões da Síria, da Turquia, do Iraque e do Irã. Eles sofrem discriminação sistemática em todos esses países e estiveram entre os principais alvos de perseguição do EI durante o auge da facção, de 2014 a 2017.
Agora, os curdos temem que o grupo terrorista aproveite o vácuo de poder na Síria para se reorganizar. “O EI já começou a se movimentar e se desenvolver em vários lugares”, disse à Folha por mensagem de texto Siyamend Ali, porta-voz das Unidades de Proteção Popular (YPG, na sigla em curdo).
Na semana passada, rebeldes ligados à milícia islâmica Hayat Tahrir al-Sham (HTS) lançaram uma ofensiva surpresa no noroeste da Síria e tomaram Aleppo, a segunda maior cidade do país. Isso levou as tropas do ditador Bashar al-Assad a se deslocarem de outras regiões para armar um contra-ataque.
Ali afirmou que as YPG entraram em áreas abandonadas pelo regime de Assad por temer que sejam tomadas pelo EI. Ele também disse que combatentes curdos foram cercados pela HTS em Aleppo e sofreram ataques de facções apoiadas pela Turquia em Tal Rifaat, mais ao norte.
Instado a comentar o autoritarismo do regime Assad e o fundamentalismo dos rebeldes ligados à HTS, o porta-voz das YPG afirmou que “os curdos são os únicos na Síria com um projeto democrático a serviço de todos os sírios”.
De acordo com outras fontes ligadas às forças curdas, que falaram com a reportagem sob anonimato, familiares de integrantes do EI no campo de refugiados de Al-Howl, na fronteira entre a Síria e o Iraque, receberam informações do campo de batalha e acreditam que serão resgatados em breve pelo grupo terrorista.
Nascido a partir de um braço da Al Qaeda, o EI cresceu a partir da fragmentação territorial na Síria após a eclosão da guerra civil em 2011, e também aproveitou o caos deixado no Iraque após a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2003.
O grupo ganhou proeminência a partir de 2014 após avançar de forma avassaladora e tomar as cidades de Raqqa, na Síria, e Mossul, no Iraque. No auge, dizia ter o controle de mais de 280 mil km², área equivalente ao estado de São Paulo.
O EI estabeleceu um califado com base em uma leitura extremista do Alcorão, livro sagrado do islã, e perseguiu mulheres, curdos, xiitas, cristãos, yazidis e outras minorias. Sua presença global se expandiu rapidamente, com células do Afeganistão à Nigéria e atentados na França.
A reação aos terroristas na época envolveu uma aliança ampla, e hoje improvável, de atores: as YPG, o regime sírio, o grupo libanês Hezbollah, o Irã, a Rússia, o Exército iraquiano, os EUA, o Reino Unido, entre outros.
O EI foi derrotado militarmente em 2017, e desde então mantém presença de forma esparsa em áreas de deserto na Síria e no Iraque. Agora, o grupo vê uma oportunidade para retomar o território e a influência perdidos nos últimos anos.