Em mais um revés para o presidente Volodimir Zelenski, os Estados Unidos cobraram diretamente nesta quarta (4) uma mobilização de mais soldados parar lutar contra a invasão russa da Ucrânia.
“A Ucrânia tem decisões difíceis a tomar sobre mobilização adicional. Isso é crítico, porque mesmo com o dinheiro, mesmo com as munições, é preciso ter pessoas nas linhas de frente para lidar com a agressão russa”, disse o secretário de Estado americano, Anthony Blinken.
Ele participa do encontro de chanceleres da Otan, a aliança militar de 32 membros liderada pelos EUA, em Bruxelas. “Colocar pessoas mais jovens para lutar, nós cremos, é necessário. Hoje, quem tem de 18 a 25 anos não está na luta.”
A pressão do governo de Joe Biden já havia vazado na imprensa americana, mas é a primeira vez que uma autoridade a vocaliza em público. Ela reflete o desânimo ocidental com a situação nos campos de batalha da Ucrânia, onde a posição de Kiev está se tornado cada vez mais difícil.
A partir de fevereiro, as forças de Vladimir Putin passaram a ter ganhos crescentes, principalmente no contestado leste do país. Novembro foi o mês de maior avanço das tropas do Kremlin desde o início da guerra: foram conquistados 1.202 km2, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra (EUA).
Isso equivale a quase o dobro de todos os ganhos deste ano, 2.656 km2, que já superou 2023 inteiro (2.233 km2). Só em Donetsk, Kiev perdeu 1.100 km2, área semelhante à de Belém (PA).
Depois de o aval ao uso de mísseis de mais longo alcance contra alvos na Rússia ter gerado uma escalada retórica de Putin, seguida pela propaganda do uso inédito de um míssil balístico com múltiplas ogivas em combate, o momento que parecia algo favorável a Zelenski evaporou.
O ucraniano voltou a cobrar mais armas dos parceiros ocidentais, e apresentou um plano admitindo ceder os quase 20% de território que Putin controla em seu país em troca de a Otan aceitar a entrada do restante da Ucrânia na aliança.
Isso daria imediatamente um guarda-chuva militar poderoso a Kiev, já que o clube tem como regra a defesa mútua de seus membros. Como isso poderia equivaler à Terceira Guerra Mundial, os aliados da Ucrânia voltaram a pisar no freio.
Com efeito, o secretário-geral da Otan, o holandês Mark Rutte, descartou discutir a sonhada admissão proposta por Zelenski em uma carta enviada aos chanceleres reunidos desde terça (3). Preferiu insistir na discussão do envio de mais ajuda militar.
Nesse contexto, a fala de Blinken é ainda mais dura para o ucraniano, que reluta em obrigar a convocação de jovens com menos de 25 anos, o que iria erodir ainda mais sua popularidade. Contas rudimentares apontam que há cerca de 1,7 milhão de homens entre 18 e 25 anos no país.
A aprovação do presidente ronda os 25%, segundo pesquisas, e se houvesse uma eleição, Zelenski perderia facilmente para o ex-chefe militar Valeri Zalujni. O mandato do líder expirou em maio, mas o país está sob lei marcial e não pode realizar pleitos.
A Ucrânia quase quintuplicou seu efetivo militar desde o início da guerra, e tem algo perto de 900 mil soldados na ativa. A Rússia emprega hoje estimados 600 mil homens nas áreas ocupadas do país vizinho.
O problema para Kiev é a mão de obra rotativa, que já foi escassa mas agora é incrementada por contratos saborosos para os russos, que sobra para Putin. Analistas estimam em 30 mil o número de novos soldados, entre profissionais e regulares, que Moscou pode colocar em combate todo mês, substituindo os caídos e exaustos.
Isso permite operações terríveis, conhecidas como máquina de moer gente, que resultaram na conquista de diversos bastiões no leste. No sul, em Zaporíjia, há também uma ofensiva se formando.
Esses mesmos analistas dizem que as baixas, mortos e feridos, podem chegar a 2.000 homens por dia em alguns momentos da campanha russa.
Os dados reais são sigilosos em ambos os lados. O site independente Astra revelou um vídeo na semana passada em que a ministra adjunta da Defesa da Rússia Anna Tsviliova conta a outras autoridades que 48 mil famílias entregaram provas de DNA para ajudar a identificar soldados mortos. Investigação do site Mediazona sugere que há ao menos 75 mil russos mortos na guerra.
Blinken apontou para o fato de que a ajuda militar ocidental pode acabar sendo inútil no embate frente a frente. Os EUA pagam o grosso da conta bélica da guerra para a Ucrânia, tendo enviado até o fim de agosto o equivalente a R$ 360 bilhões só em armamentos, fora R$ 160 bilhões em assistência financeira.
Esse dispêndio também tem data para ou acabar ou ser revisado: 20 de janeiro, quando Donald Trump reassumirá o cargo de presidente. O republicano já sinalizou que vai usar a torção desta torneira para trazer Zelenski à mesa de negociações, embora tudo isso seja incerto.