Às vezes é difícil identificar o principal evento de alguns anos, ainda mais resumi-lo em uma palavra. Este não é o problema em 2024: o retorno de Donald Trump à Casa Branca após uma ausência de quatro anos tem consequências não apenas para o país mais poderoso do mundo, mas também para seus vizinhos e todos os outros lugares. Qual palavra pode capturar a mistura de surpresa, entusiasmo e apreensão que as pessoas sentem com o retorno do movimento Maga (Make America Great Again) ao poder?
Primeiro, um parêntese. Se Kamala Harris tivesse vencido, a Economist teria uma lista diferente de candidatas a “palavra do ano”. A campanha de Kamala foi descrita como uma de “vibes”, em vez de política. Seu apelo aos jovens foi capturado em “brat” (gíria jovem para “um pouco bagunceira e gosta de festa”); foi Charli XCX, uma estrela pop britânica, quem ofereceu esse elogio à democrata. Mas Kamala não venceu, e assim é improvável que “brat” entre para a história.
Para a palavra definidora do ano, ajuda olhar para trás —muito longe no tempo. O idioma inglês tem uma série de termos políticos derivados do grego porque obteve muito de seu pensamento político de figuras como Platão e Aristóteles. Então, se você passar pelo léxico da língua, algumas raízes abundam. “arquia” (governante), por exemplo, é encontrada em monarquia, oligarquia e anarquia (o governo de um, de poucos e de nenhum, respectivamente).
O grego tem outra raiz para “governo”, “kratia”, que é ainda mais comum. Ela aparece em democracia, aristocracia, gerontocracia, teocracia e plutocracia, assim como meritocracia (uma criação moderna para a qual Alan Fox, um sociólogo britânico, casou uma raiz latina com uma grega em 1956). O Dicionário de Oxford de Inglês também está cheio de espécies mais raras, como oclocracia (governo pela multidão), ginecocracia (governo por mulheres) e talassocracia (domínio dos mares).
Duas outras palavras com “cracia” parecem apropriadas neste ano eleitoral. Uma é “teatrocracia”, ou governo por frequentadores de teatro. Isso soa como se pudesse se referir ao domínio das elites da mídia que escrevem para as seções de cultura dos jornais. Mas a palavra tem suas origens em Platão, que descreveu pessoas habilidosas em inflamar as emoções da multidão em um teatro como uma força política poderosa. Isso poderia, em retrospectiva, ter sido uma boa palavra do ano para 2016, quando uma ex-estrela de reality show com talento para trabalhar com a multidão foi eleita presidente pela primeira vez.
Após a reeleição de Trump em 5 de novembro, o mundo assistiu ansiosamente enquanto ele começava a preencher os principais cargos de seu futuro governo. Algumas escolhas, como a sensata Susie Wiles para chefe de gabinete e Marco Rubio, um senador de longa data, para secretário de Estado, eram qualificadas e competentes. Mas uma enxurrada de nomeações na semana que terminou em 15 de novembro levou a um pico de pessoas procurando outra palavra com “cracia” no Google.
Matt Gaetz, acusado de crimes sexuais e de uso de drogas ilícitas, alvo de uma investigação ética no Congresso, foi nomeado para ser a mais alta autoridade de aplicação da lei e da ordem do país; Robert F. Kennedy Jr., um homem com opiniões excêntricas sobre vacinas, seria o secretário de Saúde; Tulsi Gabbard, uma teórica da conspiração com declarações amigáveis sobre os déspotas da Síria e da Rússia, iria comandar os serviços de inteligência dos EUA; Pete Hegseth, um apresentador da Fox News com tatuagens associadas à extrema direita (e que foi acusado de agressão sexual) foi escolhido como secretário de Defesa.
A palavra que todos estavam pesquisando era caquistocracia: o governo dos piores. A primeira raiz, kakos, é encontrada em poucas outras no inglês. “Caquistocracia” não é encontrada em fontes antigas; parece ter sido cunhada em inglês [Kakistocracy] como um antônimo intencional para aristocracia, originalmente “governo dos melhores”. Tendo disparado no Google Trends no dia após a eleição de Trump, caquistocracia saltou uma segunda vez na plataforma após essas nomeações. As buscas aumentaram uma terceira vez em 21 de novembro, quando Gaetz anunciou que renunciaria à indicação para procurador-geral do país, sugerindo que ele era visto como o pior dos piores. O termo foi particularmente popular em redutos democratas como Oregon, Massachusetts e Minnesota.
Muito ainda precisa ser observado sobre a nova “cracia” de Trump. Da última vez, ele parecia demitir mais funcionários do que a maioria dos presidentes tem viagens no Air Force One. (Muitos desses demitidos se tornaram críticos declarados do republicano.) Desta vez, no entanto, ele escolheu seu gabinete com a lealdade a ele acima de tudo. E muitos de seus apoiadores estão encantados com isso, vendo em suas nomeações uma equipe para demolir o Estado profundo (“Deep state”) que eles desprezam.
A palavra caquistocracia soa como os barulhos nítidos e duros de vidro quebrando. Se isso é bom ou ruim depende de você achar que o vidro merecia quebrar. Mas a forma rápida de a caquistocracia encapsular os medos de metade dos Estados Unidos e de grande parte do mundo faz dela nossa palavra do ano.