A menos de dois meses da posse de Donald Trump, o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, começou nesta segunda-feira (2) a última viagem internacional de seu mandato. Mas o embarque do líder rumo à África, uma espécie de epílogo de sua gestão, foi ofuscado pelo controverso perdão que o democrata concedeu, na véspera, ao filho condenado pela Justiça, em ato que o livra da prisão.
Criticado por opositores e até correligionários, Biden fez escala em Cabo Verde, onde se encontrou com o premiê do país e, indagado por jornalistas, preferiu não comentar o perdão presidencial. Em seguida, voltou ao Air Force One com destino a Angola, onde deveria pousar na noite desta segunda.
Trata-se da primeira e última viagem do líder americano à África, onde Biden vai reiterar o compromisso de Washington com a região diante da maior competição e influência exercida pela China e Rússia.
Em Angola, Biden deve visitar um museu dedicado à escravidão e fechar acordos em várias áreas, incluindo um que prevê investimento estimado em US$ 1 bilhão (R$ 6,06 bilhões) em um corredor ferroviário, segundo o jornal americano The New York Times.
A viagem ocorre horas depois de o democrata ter assinado a ordem para perdoar o filho Hunter Biden, que em julho havia sido condenado por mentir sobre o fato de que usava drogas ao comprar uma arma, em 2018, e por possuí-la de forma ilegal por 11 dias. Na ocasião da decisão, o presidente disse que respeitaria a decisão da Justiça e que não daria o indulto.
Mas o presidente mudou de ideia. Biden justificou o perdão dizendo que o filho foi alvo de um tratamento diferenciado. “Nenhuma pessoa razoável que olhe para os fatos do caso de Hunter pode chegar a outra conclusão senão que ele foi alvo apenas porque é meu filho –e isso é errado”, escreveu o democrata em comunicado divulgado pela Casa Branca no domingo (1º). “Houve uma tentativa de destruir Hunter –que está há cinco anos e meio sóbrio, mesmo diante de ataques implacáveis e processos seletivos.”
A decisão motivou uma série de críticas, feitas inclusive por lideranças democratas. O governador do estado do Colorado, o democrata Jared Polis, do mesmo partido de Biden, escreveu na plataforma X que o “presidente colocou a família à frente do país”. Ainda manifestou receio de que a atitude abra precedentes para outros líderes.
Donald Trump, por sua vez, disse que a medida representa um abuso e comparou a situação com a de seus apoiadores presos após a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. “O perdão dado por Joe a Hunter inclui os reféns de 6 de janeiro, que estão presos há anos?”, escreveu ele na rede Truth Social.
Enquanto Biden viajava, a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, partiu para o contra-ataque. Ela defendeu a ação do presidente e disse que Hunter teria ainda mais sofrimento com os adversários do democrata no poder. “Eles não abririam mão [do caso] e continuariam a perseguição.”
Jean-Pierre enfatizou que não foi a primeira vez que um presidente concedeu indulto a um integrante de sua família. Bill Clinton perdoou o meio-irmão Roger antes de deixar o cargo, e Trump, o sogro de sua filha, Charles Kushner, disse ela.
O filho de Biden foi acusado em 2023 de mentir ao não mencionar a informação de uso de drogas ilegais quando comprou um revólver Colt Cobra, calibre 38, e de possuir ilegalmente a arma por 11 dias em outubro de 2018. O caso foi apresentado pelo procurador especial David Weiss, indicado por Trump.
Promotores mencionaram o uso de crack e a dependência de Hunter ao longo dos anos, fatos abordados publicamente por ele e parte relevante de sua autobiografia de 2021, “Beautiful Things”. Ele disse em uma audiência no ano passado que estava sóbrio desde meados de 2019.
Com a decisão, Biden poupa seu filho de ter de cumprir pena. A sentença de Hunter ainda precisava ser decretada. Se pegasse a pena máxima, ele teria de cumprir até 25 anos de prisão, embora réus primários geralmente recebam sentenças menores. Além disso, condenados que não tenham usado sua arma para cometer crimes não costumam ficar presos.
Biden ocupará o cargo até 20 de janeiro, quando ocorrerá a posse de Trump, eleito no começo do mês o próximo presidente dos EUA. Na reta final de sua gestão, o democrata acelerou medidas controversas. No mês passado, por exemplo, o governo do democrata permitiu que a Ucrânia use armas de longo alcance fornecidas pelos EUA para atacar o território russo. A decisão marcou uma nova fase do conflito.