Difícil descrever o que ocorre na Argentina sem apelar a uma imagem. Há um ano, os argentinos se atiraram numa piscina, sem saber se havia água. Queriam aliviar-se do calor e não confiavam mais em nenhum outro lenitivo. Saltar, para muitos, foi a única saída mesmo com inúmeros avisos de que poderia ser perigoso e dolorido. Alguns desses alertas foram dados pelo próprio presidente Javier Milei, que completará um ano no cargo no próximo dia 10.
Na cerimônia de posse, em dezembro de 2023, Milei gritava “no hay plata” (não há dinheiro), alertava que o ajuste seria profundo e doloroso, mas dizia que, se seu plano funcionasse, a Argentina chegaria em 15 anos a ser um país como a Itália; em 20, como a Alemanha; e em 30, como os Estados Unidos.
Por enquanto Milei tem alguns avanços na macroeconomia para celebrar, incluindo a redução da taxa de inflação mensal, que continua alta, mas que pelo menos se concentra em apenas um dígito, e a queda do risco-país. O presidente faz festa em alto e bom som.
Ele afirma ter se posicionado como “um dos principais líderes do mundo em matéria de liberdade” e diz querer se alinhar ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e a outros defensores dos mesmos ideais, incluindo Santiago Abascal, presidente do Vox, partido de extrema direita da Espanha, o mandatário Nayib Bukele, de El Salvador (que colocou 3% da população em prisões de segurança máxima) e o brasileiro Jair Bolsonaro. Alguns deles serão recebidos por Milei em Buenos Aires nos próximos dias.
Pesquisa recente do instituto Poliarquia indica que seu índice de aprovação é de 56%. O número é maior do que o registrado, a essa altura de suas gestões, por Cristina Kirchner (que teve 35% no primeiro ano de seu primeiro mandato e 45% no do segundo mandato), ou Mauricio Macri (54%).
Ajuda o fato de a oposição estar fragmentada. O peronismo continua diluído e sem reação, e forças tradicionais tanto de esquerda quanto de direita não se sobressaem.
Para onde Milei está olhando? Para um ano de 2025 em que, se conseguir de fato derrotar a inflação, virar o jogo no que diz respeito à atividade econômica (a Argentina continua em recessão) e diminuir os percentuais de pobreza (53%) e de desemprego (7,7%), o presidente terá mais chances de realizar o sonho de ter uma maioria no Congresso.
Na eleição legislativa do ano que vem, renovam-se metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Segundo pesquisas recentes, o hoje pequeno partido do mandatário, o La Libertad Avanza (A Liberdade Avança), tem 37% das intenções de voto, contra 18% dos peronistas e 9% dos seguidores do ex-presidente Mauricio Macri, apoiadores de uma direita mais moderada.
Para que isso ocorra, porém, é preciso que algumas coisas não saiam dos eixos. Por exemplo, que a insatisfação popular com os preços altos dos serviços e dos bens de consumo se mantenha contida pela narrativa de que o remédio é amargo, mas que funcionará. Ou seja, impedir um novo “estallido social” (protestos em massa) que coloque tudo a perder.
E, mais importante, manter o peso como está. Após Milei assumir, a moeda se desvalorizou em 50% no mês de dezembro de 2023 e, desde então, vem perdendo 2% do seu valor por mês. Para muitos economistas, mesmo liberais, uma nova desvalorização seria inevitável. A questão seria apenas quando e como.
Quando descobrirmos, saberemos se, afinal, havia ou não água suficiente para boiar na piscina.
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