Benedikt Franke, vice-presidente da Conferência de Segurança de Munique, disse à Folha que países do Ocidente precisam atuar para entender e responder as queixas do Sul Global (termo usado para se referir a nações em desenvolvimento), segundo as quais os ocidentais aplicam padrões duplos em temas-chave da política internacional.
Mas defendeu que as incoerências praticadas por países do Sul Global também devem ser apontadas.
“Não devemos esperar que vocês fiquem quietos sobre algumas coisas com as quais não estão satisfeitos. Mas acho que também devemos ter o direito de expressar nossas preocupações”, disse.
Franke foi um dos responsáveis por levar ao Rio de Janeiro uma série de reuniões da Conferência de Segurança de Munique, o principal fórum que debate temas de segurança internacional. Foi a primeira vez que a organização, que faz sua tradicional conferência em Munique, na Alemanha, desde 1963, realizou um evento paralelo na América Latina.
Foram dois dias de debates, concentrados nos dias 20 e 21 de novembro, com convidados que incluíram a ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, o chanceler de Honduras, Eduardo Enrique Reina, e o principal negociador da África do Sul para o G20, Zane Dangor.
O Rio de Janeiro foi escolhido por ter sido palco, horas antes da conferência de segurança, da cúpula do G20, o grupo que reúne as maiores economias desenvolvidas e emergentes do globo. Um dos temas mais abordados nas negociações foi a acusação, por parte de nações do chamado Sul Global, de que governos do Ocidente aplicam padrões diferentes para avaliar as crises geopolíticas da Ucrânia e de Gaza.
“Acho que também deveríamos poder abordar alguns dos padrões duplos aqui”, argumenta Franke. “Por que a expansão do Brics é aceitável, mas a ampliação da Otan não é? Por que os países dessa região estão tão presos a essa ideia de soberania, mas depois criticam um país como a Ucrânia por tomar a decisão soberana de se juntar a uma aliança defensiva [a Otan]? Acho que há muitas discussões que precisamos ter no futuro. É por isso que acredito que a Conferência de Segurança de Munique deveria estar aqui [no Rio].”
Antes de fazer parte do fórum, Franke foi assessor especial do ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan. Ele argumentou que um dos desejos do Fórum de Segurança de Munique é incluir mais vozes de países do Brics —o grupo será presidido pelo Brasil em 2025.
“Quero parabenizar o Brasil pelo que tem feito para evitar que o Brics se deteriore em uma aliança antiocidental“, diz. “Mas às vezes me pergunto: por que há tantos nessa região do mundo que esperam que aceitemos a narrativa de que o Brics não é antiocidental, enquanto, ao mesmo tempo, não aceitam nossa narrativa de que a Otan é uma aliança defensiva?”
A partir de sua experiência no sistema ONU, Franke defende que determinados temas tratados no sistema das Nações Unidas não podem ficar reféns das rivalidades geopolíticas das grandes potências.
“Precisamos despolitizar partes do trabalho da ONU. Precisamos despolitizar a prestação de ajuda humanitária. Precisamos despolitizar coisas como o Programa Mundial de Alimentos, o Programa Ambiental, o Programa de Desenvolvimento, a agência para refugiados. Eles deveriam ser capazes de fazer o trabalho muito importante para o qual foram solicitados, sem serem arrastados para a rivalidade sistêmica entre vários países ou alianças.”
Durante as sessões no Rio de Janeiro, um assunto sempre presente foram as expectativas geradas pela volta de Donald Trump à Casa Branca. Franke afirma que o americano colocará pressão sobre o sistema multilateral, mas que esse cenário pode ter como consequência alguns avanços inesperados.
“Eu poderia muito bem imaginar que a pressão que ele vai exercer sobre partes do sistema multilateral para que ele faça o seu trabalho será, na verdade, útil para avançar com reformas. No final das contas, minha expectativa é que será uma imagem mista. Haverá histórias de sucesso e haverá fracassos”, argumenta.
“Estou ansioso para ver se ele vai resolver a guerra na Ucrânia. Se for em um dia ou dois, não me importo. Mas se houver um esforço concentrado para resolver essa terrível guerra sem trair os ucranianos, acho que isso deve ser louvado. Estou muito empolgado para ver o que ele vai fazer com o comércio internacional. Eu temo pelas tarifas que estão por vir, mas potencialmente isso poderia avançar outros tipos de cooperação. Talvez isso ajude o acordo da União Europeia com o Mercosul a finalmente acontecer.”