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a história de aventura e medo do francês que interpretou mascote na Copa de 1998

Segui caiu quase 40 metros. Ele bateu a cabeça e ficou inconsciente por pelo menos três horas.

Quando recobrou a consciência, ficou apavorado com a situação.

Parte do seu couro cabeludo estava pendurada. Seus dedos estavam quebrados e ele não conseguia mover o braço direito.

“Eu me lembro da sensação de pânico”, ele conta. “Era muito doloroso.”

“Era uma espécie de emoção muito amarga, como vinagre na alma. Você sente que tudo o que fez na vida foi ruim, todos os erros que você cometeu caem na mente como uma pedra.”

Ele passou horas perdendo e recobrando a consciência de forma intermitente. Mas, quando finalmente voltou a si, Segui conta que tinha uma clareza absoluta sobre o que deveria fazer.

“Em certo momento, senti que estava no meu território e isso me ajudou muito”, ele conta.

“Foi muito reconfortante pensar na ideia de que, claro, não existem hospitais para os animais selvagens e, mesmo assim, na maioria das vezes, eles se curam sozinhos.”

Segui conta que havia lido sobre como os animais usavam o repouso e o jejum como métodos para curar feridas e decidiu adotar estas mesmas medidas.

“Eu disse, ‘vou fazer como fazem os mamíferos: vou aproveitar, deixar de ter medo, dormir o mais que puder e deixar que o mamífero dentro de mim tome as decisões’. Depois disso, tudo ficou mais fácil.”

Nos três dias seguintes, Segui conta que ocupou seu tempo imaginando que iria escrever um livro e que seria entrevistado para promover a obra.

Em certo momento, ele tentou negociar com “os deuses” e prometeu parar de beber se sobrevivesse. Em resposta, surgiu uma alucinação, com sua avó perguntando “até a cidra de maçã?”

Por fim, Segui conta que a ideia que mais o torturava não era a da morte, nem mesmo a dor. O que mais o perturbava eram seus filhos.

“Eu não sentia dor, mas sim tristeza”, relembra ele. “Meu maior medo era que a minha família não soubesse mais de mim, que ninguém encontrasse meu corpo e que meus filhos nunca soubessem se eu morri ou, simplesmente, desapareci.”

Ataúro

No idioma local, “ataúro” significa “cabra”. Morgan Segui aprenderia o significado da palavra tempos depois que um grupo de cabras salvou sua vida, no ponto mais profundo do monte Manucoco.

Na terceira noite após o acidente, Segui acordou assustado com os ruídos do que parecia ser um animal grande se aproximando.

“Depois de alguns minutos, percebi que eram cabras”, ele conta. “Elas se aproximaram muito e fiquei contente por estar coberto de folhas e galhos, de forma que elas não me viam como ser humano. Para elas, eu simplesmente fazia parte da vegetação.”

“A menor delas se aproximou com o focinho e olhou, como se dissesse ‘uau, você está arrebentado, mas acho que vai ficar bem’.”

Para surpresa de Segui, o grupo de cabras começou escalar o penhasco, caminhando sobre o estreito caminho em zigue-zague pelas rochas. Elas forneceram a solução para o seu principal problema.

“Foi ali que eu disse ‘não estou perdido’.”

No dia seguinte, Segui usou todas as forças para ficar de pé, mesmo com fraturas no pé direito e em várias outras partes do corpo. Ele usou a camiseta para imobilizar o braço quebrado e se dirigiu ao caminho usado pelas cabras.

“Levei um dia inteiro para escalar o penhasco, porque fui muito, muito devagar”, ele conta. “Como se fosse um urso preguiçoso, tudo foi muito lento.”

Quando chegou ao cume, Segui parecia ter outra alucinação, como as que o atormentaram nos seus momentos de delírio. Ele encontrou um portão e, atrás dele, uma plantação de abacaxis.

“Eu cheguei perto de um dos abacaxis e o toquei. Estava muito maduro”, relembra ele.

“Os primeiros pedaços não passaram da minha boca, que estava muito seca. Parecia uma esponja seca. Mas, quando as fibras e o açúcar finalmente chegaram ao meu estômago, foi algo inacreditável para minha mente.”

“Senti que meus braços e minhas pernas conseguiam novamente se mover em conjunto”, recorda ele.

Segui comeu e foi finalmente vencido pelo cansaço. Ele caiu adormecido sob as estrelas.

O retorno à civilização

Ele agora tinha certeza de que iria sobreviver.

A plantação de abacaxis significava que havia alguém por perto que poderia socorrê-lo. Ele viu uma casa ao longe e se aproximou, tentando arrumar suas roupas da melhor forma possível antes de bater à porta.

“Mas demorei muito e, de repente, vi um homem sair com um estilingue apontado diretamente para mim, enquanto eu tentava vestir as calças”, ele conta.

“Ele me viu com o couro cabeludo pendurado, tentando vestir as calças e explicar o que havia acontecido. A única coisa que ele fez foi me abraçar e dizer: ‘Obrigado, Jesus, por trazer este homem para o meu campo e dar forças para mim e para minha família, para podermos reuni-lo à família dele’.”

“No mesmo momento, comecei a chorar.”

Por acaso, o homem se chamava Moisés. Ele levou Segui para casa, sua esposa o atendeu e lhe deu de comer.

“Eu estava comendo, mas, a cada mordida, olhava para eles e voltava a chorar”, relembra ele.

“Eu estava muito feliz. Foi um momento muito profundo. Eu havia voltado à civilização humana, à minha vida, à água, à comunidade, da melhor forma que poderia imaginar.”

Foi assim que, depois de cinco dias angustiantes, Morgan Segui estava a salvo.

Quando estava para ser levado de volta para Díli, Segui conta que agradeceu a Moisés por toda a sua atenção. Ele diz que o recompensou financeiramente pela ajuda.

Ao se despedir, o homem confessou: “Agora, preciso voltar porque estou preparando o funeral da minha filha”.

“Eu disse ‘o quê?'”, relembra Segui. “Você tomou tempo do funeral da sua filha para cuidar de mim? Não sei como agradecer e, agora, eu me sinto um turista estúpido que caiu da sua montanha e fez você perder uma parte importante do funeral da sua filha.”

“Ele me respondeu: ‘não, não, você está vivo e precisávamos cuidar de você’.”

A experiência mudou a perspectiva de vida de Segui. Ele conta que deixou de ser tão egoísta e, hoje, valoriza imensamente coisas básicas, como a água.

Segui também se dedicou a ajudar as pessoas da região e incentivar projetos de abastecimento de água potável.

“Desde criança, tive muita sorte e a vida me deu muitas coisas”, ele conta. “Mas fui egoísta. Hoje, tento dar mais atenção às pessoas, em vez de receber.”

Fonte: TNH1

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