A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos deverá isolar ainda mais o regime do Irã, já pressionado devido à guerra no Oriente Médio e ao consequente enfraquecimento de seus grupos extremistas aliados, caso do Hamas e do Hezbollah. É o que diz o analista iraniano Meir Javedanfar, professor na Universidade Reichman, em Israel.
Javedanfar afirma que o novo governo Trump poderá distanciar o Irã da Rússia, atualmente um dos principais aliados do país persa. Caso o presidente eleito concretize sua promessa de encerrar a Guerra da Ucrânia, o republicano também diminuiria a dependência imediata de Vladimir Putin em relação a armamentos iranianos, incluindo drones que são usados em larga escala no conflito. Efeito imediato seria o isolamento ainda maior do regime fundamentalista, que já lida com uma economia debilitada.
“O regime iraniano tem medo [de Trump] também porque sua economia está muito mais frágil do que há quatro anos [quando o republicano encerrava o primeiro mandato na Casa Branca]”, diz Javedanfar. “O rial [moeda do Irã] desvalorizou 160% em relação ao dólar nesse período. As pessoas hoje estão mais pobres.”
Judeu, Javedanfar nasceu no Irã e se mudou para Israel em 1987, depois de concluir o bar mitzvah (cerimônia que marca a passagem para a vida adulta). Ele está no Brasil e dará palestra a convite da Stand With Us, organização cujo objetivo é apresentar e defender os valores israelenses em todo o mundo.
Para o analista, Trump goza inclusive de certa popularidade entre os cidadãos iranianos. Embora o republicano tenha implementado sanções pesadas contra Teerã em seu primeiro mandato, foi durante sua administração que as forças americanas assassinaram, em 2020, o influente general Qassim Suleimani, então chefe da guarda de elite e um dos homens mais poderosos do país persa. “Muita gente no Irã gosta do Trump. E isso preocupa o regime porque, a cada dia, mais pessoas querem um regime diferente”, diz.
Não será uma surpresa, portanto, se o segundo mandato encorajar mais opositores a desafiar o regime, mesmo que de forma indireta. Há apenas dois anos as autoridades iranianas tiveram de lidar com uma série de protestos que representaram a maior ameaça à liderança dos aiatolás desde a criação da República Islâmica, em 1979.
As manifestações eclodiram depois da morte de Mahsa Amini, 22, que estava sob custódia da polícia moral do país. Ela foi detida por supostamente não usar o hijab, o véu islâmico, de maneira correta. A família da adolescente diz que ela foi espancada até a morte pelas forças de segurança.
Os protestos arrefeceram após repressão violenta. Organizações que atuam com direitos humanos afirmam que confrontos entre militares e manifestantes deixaram mais de 500 mortes.
No contexto atual, o regime está mais pressionado, afirma Javedanfar. Na visão dele, uma sinalização de que as autoridades passaram a evitar gatilhos que possam despertar novos protestos ocorreu no último dia 19, quando a Justiça iraniana informou não ter aberto ações contra a estudante que havia sido detida em Teerã depois de se despir em público, o que é considerado um dos crimes mais graves no país.
Segundo relatos, assim como Amini, a estudante Ahoo Daryaei teria sido repreendida pela polícia moral por não usar o hijab de forma adequada na Universidade Islâmica Azad. Ela teria se despido, em protesto, depois de uma abordagem violenta da polícia moral. Imagens gravadas por câmeras de segurança mostram a aluna caminhando pelo campus apenas com as roupas íntimas, numa posição de confronto.
O regime iraniano se limitou a dizer que Daryaei estava doente, foi levada ao hospital e depois devolvida a sua família.
A repressão, no entanto, continua a ocorrer. Em artigo publicado no site Mideast Journal, ele escreve que o líder supremo do país, Ali Khamenei, nutre ódio por Israel arraigado em sua origem familiar e local de nascimento: a cidade de Mexede, onde há, segundo ele, histórico extenso de antissemitismo.
Não sobram outras opções, assim, que não o enfrentamento, segundo Javedanfar. “Até Putin se ofereceu para mediar a crise entre Irã e Israel, mas Teerã recusou. Então, que opção fica?”
O analista, contudo, atribui também a Tel Aviv a responsabilidade pela continuidade da guerra na Faixa de Gaza, iniciada em outubro de 2023 após os ataques terroristas do Hamas e que permanece sem perspectiva de acabar. “Primeiro é o Hamas [o responsável por prolongar o conflito]. Depois, Bezalel Smotrich [ministro de Finanças e um dos mais radicais membros da coalizão do premiê Binyamin Netanyahu] que quer continuar com a guerra até a eliminação total do Hamas”, diz. Para Javedandar, isso não é possível. “É como entrar numa favela para tentar destruir todos os membros do PCC.”