O TPI (Tribunal Penal Internacional) emitiu, nesta quinta-feira (21), mandados de prisão contra o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o comandante do Hamas Mohammed Deif —o último, supostamente morto em um ataque aéreo israelense de julho deste ano. Os três são acusados de crimes de guerra no conflito em curso no Oriente Médio.
O TPI é a única corte internacional permanente com poder para processar indivíduos suspeitos de crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. Ela não tem força, porém, para garantir o cumprimento de suas ordens, o que significa que a aplicação da medida depende dos países-membros.
A ordem significa que tanto Netanyahu quanto Gallant podem ser presos caso viajem a algum dos mais de 120 países que são signatários do Estatuto de Roma, o tratado internacional que criou o tribunal. Israel não é um deles, portanto, não há risco de os políticos serem detidos em seu próprio país.
O Estado judeu tampouco reconhece a jurisdição da corte na Faixa de Gaza, palco dos enfrentamentos entre o seu Exército e o Hamas desde outubro do ano passado.
Para os juízes do TPI, o fato de que Israel não é um membro da corte não exime suas autoridades de serem alvo de seus mandados, no entanto. Isso porque a Palestina integra o tribunal desde 2015 —o que dá à corte poder para processar crimes cometidos dentro do seu território.
Embora com poucos efeitos imediatos, os mandados aumentam a pressão internacional que o governo de Netanyahu sofre desde o início da guerra. “O efeito prático não é, neste momento, a prisão em si, mas sim toda a série de pressões e mecanismos que decorrem do mandado”, afirma Lucas Lima, professor de direito internacional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Uma das consequências é justamente em relação às restrições que os suspeitos enfrentarão no que se refere a viagens. Praticamente todos os países da Europa, com exceção da Belarus, são membros da corte, e o chefe de diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou mais cedo que os mandados deveriam ser respeitados.
Além do velho continente, quase toda a América Latina também é signatária do Estatuto de Roma —ficam de fora Nicarágua, Cuba e Haiti. Em outras regiões do mundo, sobram países como Rússia, China, Índia, Indonésia, Somália e Irã, rival histórico de Israel.
Outro lugar ao qual os israelenses podem ir sem riscos é os Estados Unidos. Embora tenham participado das negociações que criaram o Estatuto de Roma, eles votaram contra o texto em 1998. Em 2000, o país chegou a assinar o tratado, mas não o submeteu ao Senado para ser ratificado e, em 2002, por fim, sob o governo de George W. Bush, retirou a assinatura.
De todo modo, na prática, a prisão depende mais da afinidade política dos líderes no poder dessas nações. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, por exemplo, também foi alvo de um mandado de prisão da corte em março do ano passado por supostos crimes cometidos na Guerra da Ucrânia e, em setembro, viajou para a Mongólia, um membro do tribunal, sem sofrer consequências.
A decisão desta quinta foi emitida após o procurador do TPI, Karim Khan, pedir a prisão de uma série de figuras ligadas à guerra Israel-Hamas, em maio. Na ocasião, ele acusou os líderes israelenses de “extermínio e/ou assassinato” e de “matar deliberadamente os civis” de Gaza de fome —o território palestino sofre uma crise humanitária sem precedentes.
Khan também pleiteou que fossem presos Yahya Sinwar, à época chefe do Hamas em Gaza e considerado mentor do ataque do grupo que deu início ao conflito; Ismail Haniyeh, líder político da facção exilado no Qatar; e Deif, comandante das Brigadas Qassam, braço militar da facção.
Eles são acusados dos crimes de sequestro, assassinato, violência sexual e tortura que o grupo supostamente cometeu durante e depois do mega-ataque que deu início à guerra.
Nos mais de seis meses que se passaram desde que Khan fez o pedido, porém, todos os três líderes palestinos foram declarados mortos por Israel —Sinwar em um ataque terrestre a Rafah, no sul da Faixa de Gaza, em outubro; Haniyeh durante uma viagem para a posse do presidente do Irã, em julho; e Deif em um ataque aéreo em Khan Yunis, também em julho.
Os dois primeiros tiveram seus nomes retirados da petição por Khan depois de o Hamas confirmar seus óbitos.
Como esperado, a decisão foi criticada em Tel Aviv. O gabinete de Netanyahu chamou a ação de antissemita e disse que “Israel rejeita com repugnância essas acusações absurdas e falsas”. Isaac Herzog, o presidente do país, também criticou a decisão, que segundo ele “escolhe o lado do terrorismo e do mal em detrimento da democracia e da liberdade”.
Já o Hamas, que havia criticado o pedido de prisão contra seus líderes em maio, pediu que a corte ampliasse “o escopo de responsabilidade para todos os líderes criminosos da ocupação” israelense.
Aliados históricos dos israelenses, os EUA “rejeitaram categoricamente” a determinação do tribunal. “Continuamos extremamente preocupados com a pressa do procurador em emitir ordens de prisão e pelos perturbadores erros de procedimento que levaram a essa decisão”, afirmou um porta-voz do Conselho Nacional de Segurança americano em um comunicado.
Assim como Tel Aviv, Washington afirma que a corte age por motivações políticas e não tem jurisdição sobre a questão, uma vez que o Estado judeu não é signatário do Estatuto de Roma —o paradoxo é que os americanos celebraram a decisão do TPI de emitir um mandado contra Putin mesmo que a Rússia tampouco integre a corte.
Organizações de direitos humanos aplaudiram a decisão desta quinta. Enquanto a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, celebrou o fato de Netanyahu ser “oficialmente um homem procurado”, a diretora associada de justiça internacional da Human Rights Watch (HRW), Balkees Jarrah, afirmou esperar que os mandados levem a comunidade internacional a enfim fazer justiça às vítimas palestinas e israelenses do conflito.
A ordem de prisão do tribunal tem como objetivo conduzir os suspeitos a julgamento. Grande parte dos alvos do tribunal desde a sua fundação, porém, jamais chegaram a comparecer diante dele, e sete deles morreram antes que pudessem ser julgados, incluindo o ditador líbio Muammar Gaddafi.