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Uruguai: Eleição leva governista a propor elo com esquerda – 22/11/2024 – Mundo

Difícil é encontrar alguém que tenha levado muito a sério. Mas causou surpresa a afirmação do candidato presidencial Álvaro Delgado de que poderia chamar a esquerda a compor o governo no Uruguai. Ele é o braço direito do presidente Luis Lacalle Pou.

Questionados, analistas variavam de respostas como “ele até pode tentar, difícil é conseguir”, passando por “isso é um discurso 1.000% eleitoreiro”, a “nenhum lado oferecia um cargo ao outro, e ninguém aceitaria”. O que importa, então, é o pano de fundo do debate.

Essa é a primeira vez em 20 anos que um governo, seja qual for o eleito neste domingo (24), não terá maioria nas duas Casas do Congresso do Uruguai. No Senado, a Frente Ampla, coalizão de esquerda e centro-esquerda, conseguiu estreita maioria. Na Câmara, ninguém o fez.

Foi por isso que, ao jornal local El Observador, Delgado disse na coxia de seu último ato de campanha, em Montevidéu, que “todos teremos que mudar o chip; mais do que um presidente da maioria, desejo ser presidente dos acordos”. Diz que, se eleito, vai chamar o adversário Yamandú Orsi para “tomar uns mates” assim que saírem os resultados.

No primeiro turno, em 27 de outubro, Delgado perdeu em porcentagem de votos para Orsi. Mas há outro número a ser levado em conta: quantitativamente, o conjunto da Coalizão Republicana, que reúne vários partidos governistas e, neste segundo turno, em teoria, apoia Delgado em peso, conseguiu mais votos que a Frente Ampla, que reúne todo o espectro da esquerda.

Isso não aponta para nenhum resultado claro, mas precisa ser considerado para entender a divisão acirrada das forças políticas no país. Para este segundo turno, as pesquisas têm apontado quase em uníssono um empate técnico entre Orsi e Delgado.

Há quem diga que é um tiro no próprio pé da Coalizão –formada pelo Partido Nacional de Lacalle Pou e Delgado, o Colorado, o Cabildo Aberto e o Independente– o modus operandi de não se consolidar em torno de um candidato único nas urnas, como o faz a Frente. Cada uma dessas legendas teve candidato próprio no primeiro turno.

Delgado sinalizou então que poderia chamar personagens da Frente para compor seus ministérios. Mas evitou mencionar nomes. Não há proposta semelhante de afago vindo da centro-esquerda.

Recentemente, chamaram a atenção as críticas que o principal nome da esquerda local, José “Pepe” Mujica, 89, fez contra Lacalle Pou. O ex-presidente criticou Lacalle por possuir uma moto avaliada no mercado em US$ 50 mil (R$ 290 mil), com a qual recentemente andou sem escolta em Punta del Este, tirando fotos com apoiadores.

Um tom assim é algo bem incomum para a política uruguaia, mesmo em período eleitoral. Mujica depois se desculpou. Disse que a febre o levou a soltar a língua –sua saúde se deteriorou após um tratamento de radioterapia contra um tumor no esôfago.

Álvaro Delgado pinta um possível retorno da esquerda ao poder como uma trava para o avanço do combate ao narcotráfico e como uma janela preocupante para o aumento da cobrança de impostos. Orsi, em resposta, diz que não engordará as cobranças fiscais e que a repressão ao crime é, sim, uma de suas prioridades.

Qualquer possibilidade de um governo de coabitação, ainda que num horizonte tão distante, seria novidade no pequeno país. Desde a redemocratização, o Uruguai foi governado por quatro governos de centro-direita (1985 a 2005), seguidos por três gestões de centro-esquerda (2005 a 2020) e enfim o retorno da centro-direita, em 2020.

Se a estratégia de Delgado de se vender como “um presidente dos acordos” dará certo só ficará claro na noite de domingo –ou depois, já que trabalha-se com a possibilidade de que o apertado resultado só fique claro na segunda-feira (25).

Qualquer um dos dois futuros possíveis presidentes do Uruguai terá de lidar com um cenário até aqui desconhecido pelos antigos ocupantes do cargo. Nunca antes a reverenciada tradição republicana do Uruguai, na qual acordos são valorizados entre os dois espectros políticos, foi tão importante. Traduzir esse desafio em um governo de coabitação é uma das possibilidades, ainda que pouco acreditada.

Fonte: Folha de São Paulo

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