Forças de Israel e do Hamas se enfrentaram em solo na Faixa de Gaza no primeiro combate divulgado pelos dois lados desde o começo da atual guerra entre Tel Aviv e o grupo terrorista que administra a região desde 2007.
Segundo as IDF (Forças de Defesa de Israel), houve incursões limitadas na noite do domingo (22) para esta segunda (23), além do bombardeio de 320 alvos. “Houve ataques com tanques e forças de infantaria para matar esquadrões de terroristas que se preparam para o próximo estágio da guerra”, afirmou o porta-voz Daniel Hagari.
“As incursões também procuram o que for possível em termos de inteligência sobre os reféns”, disse, elevando para 222 o número de civis e soldados levados pelo Hamas no mega-ataque terrorista contra Israel no dia 7 passado, a maior ação contra o país em 50 anos, que levou ao conflito atual. O Hamas diz ter 250 cativos.
O grupo palestino afirmou, em um comunicado na noite do domingo, que havia repelido “infiltrações israelenses em Khan Yunis”, destruindo um tanque e duas escavadeiras rivais —algo que Hagari não comentou.
A cidade fica no sul da Faixa de Gaza, fora da zona de exclusão militar determinada no dia 13 pelos israelenses, e está lotada de refugiados. Segundo os palestinos, a maior parte dos 436 civis mortos nesta segunda estava na região.
Das 26 pessoas à espera de repatriação para o Brasil, 16 estão quatro apartamentos de Khan Yunis. O embaixador brasileiro na Palestina, Alessandro Candeas, disse à Folha que todos estão bem por ora, mas muito angustiados. O restante do grupo está em Rafah, ponto da fronteira com o Egito.
Já houve relato de outras ações pontuais por terra em Gaza, mas esta é a primeira vez que ambos os beligerantes contam histórias semelhantes de engajamento. Sob a ótica israelense, é uma forma de dar uma resposta pública à pressão que o governo de Binyamin Netanyahu tem sofrido.
Além de ser apontado como culpado pelo fracasso político em lidar com a questão palestina, no qual apostou em fortalecer o Hamas em detrimento do governo reconhecido pela ONU na Cisjordânia, Netanyahu também carrega o peso do desastre de inteligência que não anteviu o ataque do dia 7.
Agora, o debate é em torno da anunciada invasão por terra para, nas palavras do governo, destruir o Hamas de vez. Tal operação carrega enorme risco militar e político, pois os terroristas tiveram anos para se preparar, tendo construído uma rede de túneis que em 2021 o Hamas dizia ter 500 km de extensão.
Além disso, a própria natureza da campanha de ataques aéreos intensos de Israel cria um campo de batalha ideal para os defensores que sobreviverem: ruínas foram a chave da resistência soviética em Stalingrado em 1942-43, e os russos só tomaram a devastada Mariupol, na Ucrânia, após 82 dias de combates em escombros.
Políticos de direita em Israel, aliados de Netanyahu, pressionam por um ataque rápido ao Hamas. Ao longo do fim de semana, contudo, diversas reportagens na imprensa local e norte-americana contaram versões acerca do atraso que variavam de planejamento militar complicado a um suposto pedido dos EUA para priorizar o resgate de reféns ante ação armada.
Seja qual for a verdade, ao divulgar um degrau a mais de intensidade na sua ação, Israel parece buscar ganhar tempo. O fato é que parece impossível a libertação dos reféns sem algum tipo de negociação —até aqui o Hamas sinalizou superficialmente, soltando duas norte-americanas capturadas.
Os ataques terroristas mataram mais de 1.300 pessoas, e a retaliação israelense passou das 5.000 vítimas nesta segunda, segundo os palestinos. As IDF dizem ter matado e ficado com os corpos de ao menos mil terroristas.
O Ocidente não parece saber o que fazer, a julgar pela declaração conjunta no domingo dos líderes dos EUA, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Canadá, após videoconferência convocada pelo americano Joe Biden. Nela, apoiaram Israel, mas afirmaram que o foco é permitir a entrada de auxílio humanitário a Gaza e evitar a escalada do conflito.
No norte de Israel, a tensão com o grupo islâmico libanês Hizbullah, aliado do Hamas e igualmente financiado pelo Irã, rival existencial de Tel Aviv, segue em alta. Houve novas trocas de fogo na fronteira, que foi largamente desocupada pelos israelenses para facilitar as ações e reduzir danos civis de seu lado.
Foguetes, mísseis antitanque e ao menos um drone foram lançados em direção a Israel, sem registro de vítimas. Apesar de ser a mais intensa escaramuça desde que Israel e Hizbullah travaram uma guerra em 2006, por ora ela parece ser mais destinada a estabelecer linhas de controle e demonstrar força de lado a lado.
O Hizbullah diz estar pronto para entrar totalmente na guerra, o que abriria uma perigosa segunda frente, dado que o grupo é mais forte que o Hamas. Além disso, na prática o risco de uma conflagração regional subiria muito, dado que os libaneses são parte do chamado Eixo da Resistência, liderado por Teerã e que ainda inclui a Síria e entes como o Hamas e a Jihad Islâmica.
Visando dissuadir o Irã de entrar diretamente na crise, algo que sua liderança já disse que não irá acontecer, os EUA enviaram dois grupos de porta-aviões para o Mediterrâneo oriental. A ação foi criticada pela Rússia, aliada de Teerã, que acionou patrulhas de caças com mísseis hipersônicos no mar Negro, com alcance para atacar os navios americanos, como forma de intimidação.