A foto na parede do escritório da direção da Comissão Eleitoral de Kherson entrega o jogo: nela, Marina Zakharova cruza as pernas sobre a mesa, salto alto e café à mão, enquanto uma pistola repousa à sua frente.
Aos 39 anos, ela é considerada um dos principais ativos políticos do Kremlin para as regiões anexadas ilegalmente da Ucrânia após a guerra iniciada em 2022.
“Nós temos de conquistar corações e mentes. Aqui é diferente de Donetsk”, diz a jovem politóloga, uma carreira popular na Rússia que no Brasil poderia ser equivalente à de marqueteiro, mas não só.
Donetsk, de onde Marina veio, é uma região de maioria russa que lutava havia oito anos por independência quando Vladimir Putin resolveu reconhecer essa reivindicação e, três dias depois num fevereiro gelado de 2022, iniciar a guerra atual.
Já Kherson é outro animal: é uma área conquistada, manu militari, por Putin. Cerca de 40% de seu território ainda está sob controle de Kiev, e os sons de defesa aérea e baterias ofensivas em ação são audíveis o tempo todo em Guenitchesk, onde Marina trabalha.
“Isso trouxe desafios, em especial de segurança, mas ficamos surpresos com como a população superou seus medos e foi votar”, diz ela, que comandou 2.000 funcionários no referendo que aprovou a anexação em 2022 e duas eleições desde então.
Por óbvio, o mundo vê isso de forma diversa. Segundo a ONU, o referendo foi ilegal e o resultado, 87% de “sim” à união com a Rússia, uma fraude. A União Europeia diz que eleitores foram coagidos a votar.
“Na realidade, como havia uma pressão intensa da Ucrânia, que ameaçava diariamente eleitores e funcionários, não podíamos divulgar antes o local de votação”, afirmou.
Segundo ela, soldados informavam os moradores na hora, orientando onde poderiam votar. Para observadores externos, isso foi coação. “Tem de ficar claro que aqui o bombardeio é parte da paisagem.”
Marina relata que sofreu inúmeras ameaças, e seus aliados falam em duas tentativas efetivas de assassinato, interrompidas antes de o gatilho ser tocado. “É um trabalho perigoso, mas eu gosto de entregar”, afirma.
Para ela, o envolvimento na política local é uma consequência lógica. “Quando a guerra estourou, eu fui para a Crimeia com meu marido e meu filho então de um mês e meio”, afirmou.
Na volta, depois, a família foi parada na estrada por militares de Kiev. “Tudo normal, até que ficou claro que iam matar a gente. Aí foi a hora que meu bebê acordou e foi à janela. Foi o que nos salvou”, disse.
O momento, conta Marina, a galvanizou para a luta política. Até então, ela havia sido uma politóloga no papel e dona de negócios na prática. Sonhos de carreira? “Eu não vou dizer que não aceitarei uma indicação”, afirma. “Não me arrependo por nenhum minuto.”
O custo pessoal, além do risco, envolve deixar o filho de 11 anos e o marido em Moscou, encontrando-os eventualmente na Crimeia, cuja fronteira fica a uma hora de Guenitchesk –o quanto se gasta para ultrapassá-la é outra história.