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O homem-bomba de Brasília antecipa uma nova Idade Média interior – 14/11/2024 – José Manuel Diogo

Vivemos em uma era de paradoxos. A tecnologia avança, as informações circulam em velocidades inimagináveis, mas, enquanto isso, testemunhamos um retorno preocupante a formas de pensar que acreditávamos ter desaparecido. O radicalismo também é um vírus silencioso que torna as pessoas desapegadas da vida, conduzindo-as a uma espécie de “Idade Média interior”.

Esse fenômeno manifesta-se quando pessoas, diante das complexidades modernas, buscam refúgio em certezas absolutas e ideologias inflexíveis. O radicalismo oferece respostas simples para questões intrincadas; garante uma sensação de pertencimento quando tudo é fragmentado.

O caso do homem-bomba de Brasília ilustra tragicamente esta nova realidade. Vivendo na pobreza e no desleixo, ele ainda mantinha a simpatia e a amizade de quem o conhecia. No entanto, escolheu encerrar sua vida de forma abrupta na Praça dos Três Poderes, sem resistir, sem luta, fugindo sem glória de si próprio. Por que alguém com conexões humanas decide pôr um fim tão drástico e aparentemente sem sentido?

A resposta pode estar nesse desapego profundo causado pelo radicalismo. Quando a vida perde suas nuances e é reduzida a dicotomias rígidas, o indivíduo pode sentir que não há espaço para sua existência autêntica. A Praça dos Três Poderes, símbolo da autoridade e do controle, torna-se o palco final para alguém impotente diante das forças que moldam a sociedade, e este ato extremo, mesmo que ridículo, pode ser visto como uma última tentativa de significado em um mundo que o ignorava.

Como antes, essa “Idade Média interior” é caracterizada pela rejeição ao diálogo, pela intolerância ao diferente e pela adoção de dogmas que não admitem questionamentos. É um retrocesso ao pensamento medieval: pessoas vivendo em ignorantes bolhas ideológicas, incapazes de destrinçar a complexidade da vida e dos relacionamentos humanos. O resultado é um vazio existencial que aqui levou ao desapego da própria vida.

O homem-bomba de Brasília mostra que o radicalismo dos nossos dias não é apenas uma ameaça externa, mas um veneno que corrói a alma. Que nos afasta da empatia e da compaixão e nos torna rasos por dentro, fazendo-nos perder a conexão com o que nos torna humanos.

É imperativo que reconheçamos esse perigo. Sem encará-lo de frente, não seremos capazes de resgatar a profundidade que nos define como seres humanos, como sociedade e como democracia. Somente assim poderemos impedir que uma nova Idade Média se estabeleça entre nós.


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Fonte: Folha de São Paulo

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