Num episódio famoso da série Seinfeld, Jerry Seinfeld vai pegar um carro alugado que ele reservou, e a atendente responde que ela tem a reserva, mas não o carro.
Pois foi assim que começou meu périplo por três estados do Cinturão da Ferrugem –Pensilvânia, Ohio e Michigan– na cobertura da eleição dos Estados Unidos deste ano.
Em Pittsburgh, Pensilvânia, o ponto de início da travessia, eu me deparei com um temido personagem americano –a atendente (ou o atendente) que nunca sorriu na vida.
É aquele atendente mal-humorado, impaciente, que, após você fazer uma ou duas perguntas, ordena: step aside, Ma’am (algo como afaste-se, dê passagem).
“Olá, fiz uma reserva e estou com o voucher aqui”, eu disse no balcão da locadora de veículos.
“Vejo aqui sua reserva, mas não temos mais carros”, informou a atendente.
“Como assim, não tem carros? Mas eu fiz uma reserva.”
“Como eu já disse, não temos mais carros. Mas temos um micro-ônibus de oito lugares, pelo mesmo valor.”
“Mas eu aluguei um carro. Eu não sei dirigir ônibus.”
“Nós não temos carro. Temos esse outro veículo”
“Mas eu aluguei um carro…”
“Se não quiser, não alugue. Step aside, ma’am.”
O homem atrás de mim na fila se manifestou. “Para mim tudo bem o micro-ônibus, tem rodas e anda, está tudo certo”.
Foi o suficiente para eu me sentir uma estúpida. Claro que tudo bem, é tudo igual, carro, ônibus, trator.
Empurrei minhas malas até o estacionamento e lá estava o micro-ônibus branco, na vaga designada.
Mas quem disse que era só entrar e dirigir? Para começar, o câmbio não era nem automático, nem manual. Era um dial, tipo aqueles antigos de sintonizar rádio.
Tudo no gigantesco micro-ônibus era automático, e levou uns cinco minutos só para eu descobrir como elevava o banco e arrumava o retrovisor.
Depois de rodar uns 200 metros no estacionamento, comecei a suar pensando que teria de dirigir aquele mastodonte por centenas de quilômetros. E –o horror— fazer baliza com ele. Era demais para uma inimputável em coordenação motora como eu.
“Vim devolver o micro-ônibus, não consigo dirigir”, disse à mulher que nunca sorriu na vida, que reagiu com um não sorriso de enfado.
Neste momento, o outro atendente da locadora, abençoado, interveio –haviam acabado de devolver um carro normal.
Que alívio.
Fiquei pensando na minha triste figura, tentando achar o limpador de para-brisa do micro-ônibus, no meio de uma tempestade na estrada em Ohio.
Bom, o principal estava resolvido: tinha um carro de dimensões normais para rodar pelas cidades que haviam sido o coração da indústria siderúrgica americana e agora abrigam uma população com alto nível de desemprego e poucas esperanças.
Cumprida essa missão, o plano era rumar até Michigan para fazer uma reportagem sobre o voto dos árabe-americanos e as consequências do declínio da indústria automobilística.
Mas, nessas coberturas, os fatos sempre teimam em atrapalhar o planejamento.
Na reta final eleitoral, os comícios dos candidatos são anunciados bem em cima da hora. As campanhas determinam os locais de acordo com suas pesquisas internas e necessidades eleitorais.
Quando anunciaram que o republicano Donald Trump faria um comício na cidade de Warren, Michigan, hesitei um pouco. Teria que antecipar a ida ao estado e eram 500 quilômetros.
Mas valia a pena. Saí às 6h, precisava chegar às 13h em Warren, no máximo.
A campanha de Trump raramente dá credenciais para jornalistas de veículos estrangeiros. Então eu, como muitos outros colegas, fui “disfarçada” de pessoa normal. Não podia atrasar, senão perderia a vaga no comício.
Cruzei três estados sem nem parar para ir ao banheiro.
Depois de dirigir cinco horas e meia e errar o caminho umas duas vezes, cheguei a uma cidade próxima ao local do comício e parei para pôr gasolina.
Saí do carro, passei meu cartão de crédito na bomba, tirei a mangueira (não, não existe frentista lá) e coloquei na portinha do tanque. Apertei algumas vezes o “gatilho” da mangueira, mas não funcionava. De repente, ouço um clique atrás de mim.
A porta do carro tinha fechado, com a chave dentro. Aliás, estava tudo dentro do carro, inclusive meu celular.
Eu estava no meio do Michigan, com um carro trancado com a chave dentro, e tinha só 45 minutos para chegar a um comício a 20 quilômetros.
Cheguei na loja de conveniência do posto desesperada. E me deparei com outra figura tradicional americana –a atendente gentil que se desdobra para ajudar.
Ela chamou um guincho. O motorista do guincho tinha grande talento em arrombamento de veículos – usando uma almofadinha inflável, conseguiu enfiar uma vara de ferro comprida dentro do carro e destravar a porta, pela bagatela de US$ 75 (cerca de R$ 450).
Mas o importante era chegar a tempo no comício – e consegui.
Com uma barra de cereal, um beef jerky (semelhante à carne seca) e um queijo nos bolsos – que seriam meu café da manhã e almoço – sentei-me ao lado de um sósia do Hulk Hogan e de um desempregado que me falou sobre supostos 200 mil mortos que tinham votado na eleição de 2020. O discurso de Donald Trump começaria em alguns minutos.
Abri meu WhatsApp e tinha uma mensagem de uma amiga, perguntando como estava a cobertura.
“Só glamour”, respondi, “essas coberturas internacionais são só glamour.”