Durante a campanha eleitoral de 2024, Donald Trump descreveu a aliança dos Estados Unidos com a Coreia do Sul como um péssimo negócio para seu país, acusando a nação asiática de não pagar o suficiente pelos 28,5 mil soldados americanos estacionados em seu território.
Mas quando mencionou Kim Jong-un, o líder da Coreia do Norte que ameaçou usar armas nucleares contra o vizinho ao sul, ele falou como se o ditador fosse um amigo de longa data.
“É bom se dar bem quando alguém tem muitas armas nucleares”, disse Trump sobre Kim, em julho. “Acho que ele sente minha falta, se você quer saber a verdade.”
Os sul-coreanos se preparam para o retorno de Trump à Casa Branca com ansiedade e incerteza, uma vez que a diplomacia do republicano para a península coreana, em seu primeiro mandato, foi uma espécie de montanha-russa.
Alguns temem que Trump ameace novamente retirar as tropas americanas da Coreia do Sul, a não ser que Seul aumente seus gastos de forma significativa, e que ele reacenda um “bromance” [elo íntimo entre amigos homens] mal calculado com Kim.
“As relações entre Coreia do Sul e EUA navegarão sob tempestade”, disse Lee Byong-chul, especialista em Coreia do Norte do Instituto de Estudos do Extremo Oriente, em Seul. “Mas provavelmente veremos Kim Jong-un e Trump trocando cartas de amor novamente.”
A Coreia do Norte não reagiu à eleição americana. Mas analistas dizem que Kim pode considerar a vitória do republicano uma oportunidade para reiniciar negociações com os EUA —com mais poder de barganha do que tinha em 2018, quando se encontrou com Trump pela primeira vez.
Desde o encontro, as capacidades de mísseis da Coreia do Norte se expandiram, permitindo que Kim exija um preço mais alto para fazer eventuais concessões em seu programa nuclear, dizem analistas.
Desde 2019, Kim desenvolveu e testou mais mísseis com capacidade nuclear. Neste ano, em junho, ele assinou um tratado de defesa mútua com a Rússia. Em setembro, a Coreia do Norte revelou pela primeira vez um local usado para fabricação de urânio com fins militares, onde Kim prometeu produzir de forma exponencial mais armas nucleares.
Após lançar um novo míssil balístico intercontinental Hwasong-19 na semana passada, Kim disse que a Coreia do Norte “nunca mudará sua linha de fortalecimento de suas forças nucleares”. Autoridades sul-coreanas alertaram que Kim pode até realizar o sétimo teste nuclear de seu país, que seria o primeiro desde 2017, para aumentar ainda mais sua influência antes de negociar com Trump.
O republicano deve começar seu segundo mandato com mais influência política também, após uma vitória eleitoral robusta e com os republicanos a caminho de controlar ambas as Casas do Congresso, embora ele enfrente desafios de política externa, incluindo as guerras no Oriente Médio e na Ucrânia.
Se ele enfrentar a Coreia do Norte, lidará com um enigma de décadas que governos americanos sucessivos tentaram resolver, mas falharam. Da última vez que o fez, oscilou entre aplicar pressão e disparar insultos contra Kim para uma diplomacia mais amigável e direta, embora também tenha falhado.
Se Kim e Trump reiniciarem as conversas, espera-se que Kim tente persuadir Trump a aliviar as sanções e diminuir a presença militar americana na península em troca de congelar o programa de mísseis balísticos de longo alcance de Pyongyang, além de limitar —mas não eliminar— seu arsenal nuclear. Durante décadas, os EUA e seus aliados pressionaram por um “desmantelamento completo, verificável e irreversível” do programa nuclear da Coreia do Norte.
“Kim Jong Un quer que os EUA aceitem suas armas nucleares como um fato consumado e o envolvam em negociações de redução de armas”, disse Cheon Seong-whun, ex-chefe do Instituto Coreano para a Unificação Nacional, com sede em Seul. “Se tal negociação acontecer, causará choque e confusão na Coreia do Sul, porque será equivalente a reconhecer a Coreia do Norte como uma potência nuclear.”
Trump e Kim passaram grande parte de 2017 trocando insultos pessoais e ameaças de guerra nuclear. Trump ameaçou lançar “fogo e fúria” e “destruir totalmente” a Coreia do Norte após seus testes nucleares e de mísseis balísticos de longo alcance. Ele enviou bombardeiros de longo alcance e porta-aviões em direção à península para alertar Kim, a quem se referiu como o “pequeno homem-foguete”. Kim chamou Trump de um “americano demente”.
Então, eles deram uma reviravolta, encontrando-se em Singapura em 2018, na primeira cúpula entre suas nações. Trump facilitou a diplomacia cancelando ou reduzindo os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, que há muito simbolizavam a vontade da aliança de deter a Coreia do Norte e, mais recentemente, a China. Trump mais tarde disse que ele e o ditador norte-coreano “se apaixonaram”.
Os sul-coreanos assistiram às reuniões com ceticismo e esperança, muitos desejando que os dois líderes negociassem um acordo de paz histórico na península, um dos pontos de tensão mais duradouros do mundo desde que a Guerra da Coreia (1950 – 1953) terminou com uma trégua e deixou os dois lados tecnicamente em guerra.
Mas as negociações entre Trump e Kim fracassaram em 2019, pois discordaram sobre até que ponto a Coreia do Norte deveria retroceder seu programa nuclear em troca de alívio das sanções internacionais que Kim precisava para obter desenvolvimento econômico.
Desde que assumiu o cargo em 2022, o presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, trabalhou com o governo Biden para restaurar e expandir os exercícios militares conjuntos. Ele verá seu legado em risco se Trump novamente diminuir essas atividades, que ele chamou de “muito caras”, e retomar a diplomacia com Kim em um momento em que a Pyongyang rejeita Seul como parceira de diálogo.
Quando Trump conversou com Yoon por telefone, o republicano demonstrou mostrou “interesse na Coreia do Norte”, iniciando discussões sobre o país, incluindo seus recentes testes de mísseis e a ofensiva com “balões de lixo” enviados para a Coreia do Sul, disse Yoon. Os dois líderes concordaram em se encontrar em breve, acrescentou.