O que os cientistas encontraram foi uma população de proporções espetaculares: durante a estação chuvosa, havia 40 vezes mais aranhas nas florestas de Guam do que nas ilhas vizinhas de Rota, Tinian e Saipan — enquanto na estação de seca, quando as populações de aranhas na região geralmente aumentam, havia 2,3 vezes mais aranhas em Guam. As teias das aranhas Argiope appensa em Guam também eram cerca de 50% maiores.
Durante todo o ano, as florestas de Guam reluziam com teias: a equipe encontrou 1,8 e 2,6 teias por metro de linha de transeção nas estações chuvosa e de seca, respectivamente.
Se extrapolado para toda a área florestal de Guam, isso equivaleria a um total de 508 a 733 milhões de aranhas, passeando por suas teias e chupando os fluidos de suas vítimas. Isso supondo que haja uma aranha por teia, embora muitas vezes haja muito mais, e contando apenas as que vivem a menos de dois metros do solo.
Em termos de partes do corpo das aranhas, a floresta acaba abrigando pelo menos 4.064.000.000 de olhos, e um número igual de patas peludas e articuladas.
As ilhas de Rota, Tinian e Saipan não têm cobras-arbóreas-marrons, e ainda possuem populações saudáveis de pássaros — por isso, o estudo sugere que a população de aranhas de Guam pode ter sido normal, antes de explodir nas últimas décadas, na ausência de pássaros.
Isso se deve, em parte, à predileção das aves por criaturas com oito patas, e também porque elas competem pelos insetos que são presas das aranhas. Isso se encaixa com uma pesquisa realizada nas Bahamas, que descobriu que as aranhas são cerca de 10 vezes mais abundantes em ilhas sem lagartos.
Desde a chegada da cobra-arbórea-marrom, a existência da aranha Argiope appensa se tornou tão tranquila em Guam, que elas até pararam de adicionar o chamado “estabilimento” às suas teias.
Não se sabe por que as aranhas acrescentam essas decorações misteriosas, que geralmente envolvem padrões em zigue-zague feitos de fios brancos opacos.
Uma teoria é de que elas alertam os pássaros sobre a presença da teia, evitando que eles voem acidentalmente contra elas — e isso seria respaldado pela frequência excepcionalmente baixa do recurso em Guam, que não tem pássaros.
Um invasor obstinado
Embora acredite-se que as cobras-arbóreas-marrons estejam alterando o equilíbrio dos ecossistemas de Guam desde que foram introduzidas logo após a Segunda Guerra Mundial, isso passou despercebido por pelo menos quatro décadas.
No fim da década de 1980, os ecologistas notaram que algo estava dizimando os pássaros da ilha, mas ninguém tinha ideia do que era.
Julie Savidge, que era estudante de doutorado na época, decidiu rastrear esse assassino misterioso, que se suspeitava ser um pesticida ou um vírus. Sua pesquisa, publicada em 1987, revelou que, na verdade, a culpa era das cobras.
Por serem espécies insulares, a maioria dos pássaros de Guam não tinha nenhuma programação evolutiva que pudesse ajudá-los a evitar o apetite insaciável dos répteis por aves — como não há cobras nativas, seus ancestrais eram igualmente ingênuos. Consequentemente, quando os predadores chegaram, encontraram um bufê de pássaros indefesos que rapidamente se tornaram seu jantar.
Quando Savidge descobriu o que estava acontecendo, já era tarde demais para a maioria das espécies de aves. O papa-moscas-de-Guam foi visto pela última vez na natureza em 1984, e esta pequena bola de penas de olhos arregalados é agora considerada extinta. Outras escaparam por pouco.
O martim-pescador-de-Guam era considerado extinto na natureza até o início deste ano, quando nove indivíduos em cativeiro foram introduzidos no Atol de Palmyra, a cerca de 5.879 quilômetros de distância de seu habitat natural.
Uma ave que não voa, conhecida localmente como Ko’ko’, também já foi listada como extinta na natureza. Hoje em dia, ela pode ser vista correndo ao redor de Rota e das Ilhas Cocos, onde foi introduzida.
Mas somente nos últimos anos, os pesquisadores começaram a descobrir a verdadeira dimensão do caos ecológico causado pela cobra-arbórea-marrom.
Estes répteis esguios são altamente esquivos, deslizando silenciosamente pelas florestas e subúrbios de Guam à noite, experimentando o ar com a língua para detectar o cheiro da próxima refeição.
Ao que parece, as cobras-arbóreas-marrons não são predadores normais. Há poucos limites para o que estas devoradoras vorazes podem tentar engolir, e elas consomem regularmente animais com 70% do seu próprio peso corporal — o equivalente a um ser humano de 60 kg comer um canguru-vermelho pequeno de uma vez só.
Recentemente, uma equipe de cientistas liderada por Rogers estava monitorando a sobrevivência de filhotes de såli, um tipo de estorninho da floresta que conseguiu sobreviver nas proximidades da Base Aérea de Andersen, uma instalação militar dos EUA no norte da ilha.
Os pesquisadores colocaram monitores de rádio nos pássaros, e acompanharam para ver o que acontecia com eles. Muitas vezes, o equipamento era encontrado dentro dos sistemas digestivos das cobras-arbóreas-marrons. Mas também houve descobertas mais macabras: pássaros mortos que não haviam sido comidos.
Para sua surpresa, os cientistas descobriram que muitos dos pássaros estavam sendo mortos pelas cobras, e depois abandonados. Quando seus corpos foram localizados, eles estavam cobertos por um resíduo de saliva de serpente. Na metade do tempo, as cobras estavam matando pássaros que eram grandes demais para serem engolidos.
Mas as cobras-arbóreas-marrons não são apenas gananciosas — elas também são caçadoras extremamente eficientes, com habilidades acrobáticas que permitem a elas poder encontrar presas até mesmo nos espaços mais inacessíveis.
Para ajudar a manter os såli remanescente a salvo das cobras-arbóreas-marrons, os conservacionistas estão fornecendo caixas que servem de ninho, e fortalecendo-as com “defletores” de metal — postes de metal escorregadios, com 0,9 m de comprimento e cerca de 15 cm de diâmetro, que nenhuma cobra deveria ser capaz de escalar.
Infelizmente, eles não sabiam do talento especial deste astuto predador.
Em 2021, uma equipe de pesquisa liderada por Savidge — hoje professora do departamento de peixes, vida selvagem e biologia da conservação da Universidade Estadual do Colorado, nos EUA — descobriu a “escalada em laço”, um método totalmente novo para a ciência.
“As cobras-arbóreas-marrons podem literalmente se enrolar em torno de um defletor cilíndrico, enganchar sua cauda em volta da cabeça e, em seguida, trepar como um ser humano subindo em um coqueiro”, diz Pollock, que descreve a pesquisa como “alucinante”.
Uma mudança irreversível
Nas últimas décadas, conservacionistas e autoridades da vida selvagem usaram todos os métodos possíveis na tentativa de eliminar a cobra-arbórea-marrom de Guam, mas os répteis estão vencendo a batalha. Foram feitas buscas visuais, usados repelentes, substâncias irritantes, armadilhas, venenos e produtos químicos mortais.
Os pesquisadores chegaram, inclusive, a procurar vírus que pudessem ser usados como armas biológicas contra as cobras-arbóreas-marrons, para eliminar grandes quantidades da espécie sem afetar outros animais selvagens. Este método funcionaria de forma semelhante à mixomatose em coelhos, que foi amplamente difundida propositalmente —- inclusive na França, de forma ilegal, e na Austrália — com a intenção de reduzir seu número. Mas também causou sofrimento generalizado.
No entanto, apesar dos intensos esforços e de um orçamento anual para medidas de controle de serpentes que hoje gira em torno de US$ 3,8 milhões, os invasores provaram ser impossíveis de eliminar em grande número. Quer dizer, com exceção de alguns pequenos trechos de terra.
Por exemplo, na Unidade de Gerenciamento de Habitat da Base da Força Aérea de Andersen, em Guam. Por acaso, o acetaminofeno (paracetamol), à venda nas farmácias, é particularmente tóxico para as cobras-arbóreas-marrons, e até mesmo os exemplares maiores morrem após uma dose de 80 mg — cerca de um sexto da quantidade encontrada em um comprimido padrão de 500 mg para seres humanos.
Depois de um programa abrangente que envolveu a colocação de iscas com alimentos envenenados, além da construção de uma cerca “à prova de cobras” ao redor de toda a área para evitar que fosse imediatamente recolonizada, o número de cobras caiu significativamente na base aérea.
Infelizmente, muitos cientistas acreditam que seria impossível eliminar um número significativo de cobras-arbóreas-marrons de forma semelhante das florestas de Guam, muito menos eliminá-las por completo. Isso apesar de haver certa urgência, pois a própria floresta está correndo perigo.
Acredita-se que cerca de 70% das árvores nativas de Guam dependiam de pássaros para dispersar suas sementes. Mas na paisagem florestal desconcertantemente silenciosa de hoje, muitas árvores deixam seus frutos caírem diretamente no chão, para que apodreçam.
Algumas sementes não germinam de forma alguma, a menos que a polpa tenha sido consumida, diz Rogers, enquanto outras lutam para crescer à sombra da árvore-mãe. Como a cada ano que passa, os pássaros que se alimentam de frutas, nozes e sementes da ilha não aparecem, as espécies de árvores das quais eles costumavam depender estão desaparecendo.
A floresta também está começando a desenvolver buracos. Em um ecossistema saudável, quando uma árvore cai, ela cria um buraco temporário, que imediatamente se torna um local de intensa competição, já que diferentes plantas disputam para preencher o espaço.
“É como se você derrubasse um prédio no meio da cidade de Nova York, é uma propriedade imobiliária valiosa, haverá muita gente querendo construir um prédio lá”, explica Rogers.
Mas, em Guam, isso não acontece. Sem os pássaros para dispersar as sementes, muitas vezes não há nada no solo que possa germinar, de modo que a regeneração é extremamente lenta. A estrutura da floresta está mudando e, em breve, pode não haver volta.
Por enquanto, as cobras-arbóreas-marrons de Guam e o exército de aranhas que elas criaram estão a salvo. E seu reinado ainda pode durar por algum tempo.