O segundo mandato de Donald Trump na Casa Branca “pode trazer surpresas” na busca por uma solução para as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, disse nesta segunda-feira (11) o embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assuntos internacionais, durante conferência sobre a paz em Paris.
“Curiosamente, estou esperançoso de que essas mudanças que estão ocorrendo provoquem alguma mudança na cabeça das pessoas também, e que se verifique que o equilíbrio, a paz, talvez seja mais importante do que impor uma certa ideologia”, disse Amorim à Folha antes de participar do Fórum de Paris pela Paz, que reúne anualmente políticos e sociedade civil para discutir os conflitos no mundo.
Durante o debate, Amorim se disse simpatizante do Partido Democrata, lembrou que o presidente Lula “declarou voto” em Kamala Harris, mas ressalvou “procurar o ponto positivo” em toda a situação. “Claro, esse ponto pode ser muito pequeno, mas se você não se concentra nele, vale tudo. No caso de Trump, esse ponto seria uma dose de realismo, que pode ser útil, em vez de um idealismo excessivo.”
Segundo Amorim, Trump respeita “líderes fortes, que sabem que são fortes”, e isso poderia levar a “algum tipo de diálogo de formato diferente” —um formato kissingeriano, diz ele, em referência a Henry Kissinger (1923-2023), secretário de Estado americano notório pelo pragmatismo na diplomacia.
Logo após a vitória do republicano na eleição americana, surgiu a hipótese de que o novo presidente proporá um acordo de paz entre Ucrânia e Rússia, com a criação de uma zona-tampão desmilitarizada separando os dois países, correspondendo aproximadamente à área do território ucraniano atualmente ocupado pelo inimigo. Essa ideia ainda não recebeu nenhum apoio na comunidade internacional.
Amorim aproveitou a conferência para defender uma “multipolaridade civilizada” na geopolítica mundial. Mencionou o papel do Brasil na recente cúpula do Brics, em outubro, organizada pelo presidente russo, Vladimir Putin, e na cúpula do G20, no Rio de Janeiro, na semana que vem.
“Um amigo me perguntou por que o Brasil se esforça tanto pelo Brics. E eu disse: para reforçar o G20. Porque o G20 é o que há de mais próximo de um fórum equilibrado. Um Brics mais forte torna o G20 mais forte. Do contrário, os países ricos se resolveriam só com o G7 e convidados”, afirmou o assessor.
Na conferência, Amorim reiterou a posição brasileira de condenar a agressão russa, mas fez a ressalva de que ela deveu-se, em parte, à expansão da Otan, a aliança militar ocidental, no Leste Europeu, o que Moscou enxerga como provocação.
“Já no começo dos anos 1950, [o historiador Arnold] Toynbee, que não era fã da União Soviética, disse que a Rússia tinha um argumento. A forma de agir da Otan terá de ser parte da solução para a Guerra da Ucrânia”, afirmou Amorim.
À reportagem, ele disse achar possível a criação de um Exército europeu forte, diante de uma possível redução da presença militar americana na Europa, sob Trump.
“Já dizia o [ex-presidente francês Charles] De Gaulle, né? Falava da Europa ‘dos Pirineus aos Urais’. Naquela época não podiam entrar Espanha nem Portugal, por causa do Franco e do Salazar. Agora pode ser ‘de Cascais aos Urais’ e ter uma paz na Europa”, disse, em referência aos ditadores Francisco Franco e António Salazar.
O Fórum de Paris pela Paz é realizado anualmente desde 2018, em frente à Torre Eiffel, por iniciativa de uma ONG apoiada por entidades da sociedade civil e do setor privado.